domingo, 31 de maio de 2009

Mulher em construção

Dizem por aí que você é o que você veste, idéia que tem me deixando um tanto quanto preocupada.


Freqüentemente me perco em meio aos adolescentes que saem em bando das escolas na hora do almoço. Com meus tênis e calça jeans eu poderia muito bem me passar por um deles.


Sou formada, pós-graduada e casada. Tenho uma filha de quatro anos. Moro longe da família e não sei quem são os protagonistas da Malhação há anos! Acho que já passou da hora de reformar a fachada do meu “novo eu”, já que o interior foi inteiramente re-decorado.


Considerando que jeans é uma peça básica, resolvi começar fazendo uma limpa nos meus sapatos. Imagine o ressentimento do meu velho Adidas quando cheguei em casa com um peep toe de verniz da Zara. Um definitivamente não foi com a cara do outro.De qualquer forma, tiveram que dividir o armário.


No dia seguinte levantei e mesmo que não tivesse que ir trabalhar nem fazer nada de especial, calcei minha nova aquisição e fui levar minha filha para escola. Realmente um par de sapatos faz toda a diferença. Aquela sim era uma verdadeira mãe-de-família.


Dois quarteirões depois eu já estava quase doando meus sapatos para o primeiro mendigo que aparecesse. Bolhas nos calcanhares, dedos amassados... um horror. Cheguei em casa e, apesar de nem olharem na minha cara, sei que os Adidas ficaram alegres e devem ter tirado o maior sarro dos sapatinhos da Zara.


Foi então que outro dia, usando meus tênis, entrei em uma loja de sapatos em mais uma tentativa de encontrar alguma coisa adulta, porém confortável. Qual foi o meu choque quando a atendente destrancou uma gaveta nos fundos da loja e me mostrou uma série de palmilhas e adesivos para protegerem os pés dos sapatos de salto. Então era isso! E eu que achava que essas mulheres que fazem cooper em cima de um nove centímetros tinham uma genética diferente ou coisa do tipo.


Por que ninguém nunca compartilhou esse segredo comigo? Aposto que se meu amigo gay usasse salto alto ele já teria me dado essa dica. Mulheres...



quinta-feira, 28 de maio de 2009

Dona de casa de primeira viagem

Nunca fui muito ligada às tarefas domésticas. Apesar de não me enquadrar no tipo de filha “mimada” devo admitir que sempre tive quem arrumasse minha cama, fizesse minha comida, lavasse minha roupa e por aí vai. Minha mãe vivia me falando que eu precisava aprender a fazer todas essas coisas antes do casamento, para não sofrer muito quando elas passassem a fazer parte obrigatória da minha rotina. Mas eu não me importava, sabia que quando fosse a hora eu aprenderia sem grandes esforços. Afinal, que segredo há em cuidar de uma casa?

Ah, não pague para ver.

Comecei muito animada indo ao supermercado comprar produtos de limpeza. A sessão de amaciantes é uma delícia. (Gasto horas destampando os frascos para sentir as fragrâncias e sempre fico na dúvida entre o “frescor da manhã” e o “carinho de bebê”). Depois de estar equipada com sabão em pó, Vanish e amaciante fui correndo encontrar minha melhor amiga, a senhora máquina de lavar, para a nossa primeira brincadeira. Um dia antes da grande estréia dois homens engravatados haviam me dado “todas” as instruções sobre como lidar com a minha querida. Achei um dinheiro super mal gasto, para falar a verdade, já que eles praticamente leram o que já estava escrito na máquina. Nenhum segredo. Os botões oferecem todas as opções imaginadas, mais ou menos como o microondas que tem a tecla “esquentar só mais um pouquinho”.

Pois bem, coloco só as roupas claras, sabão em pó (finalmente vou tirar a prova do poder do OMO que acompanhei na TV desde a infância), Vanish, amaciante “orvalho de jardim”. Aperto a tecla “lavar roupas claras”. Tudo funcionando. Ótimo. Mamão com açúcar. Vou ler um livro.

Qual a minha surpresa quando chego de volta e encontro toda a minha área de serviço e metade da cozinha com um palmo de espuma pelo chão. Oh-oh. Absolutamente ninguém, nem os engravatados, nem o senso comum, nem nenhuma etiqueta explicativa disse que aquele cano lateral deveria ter sido mirado para dentro do tanque. É claro que, pensando de trás pra frente, hoje isso faz todo sentido. Afinal, não tinha como toda aquela água suja evaporar nem ser regurgitada pelo cano principal. Eu simplesmente não parei pra pensar. Como eu ia saber?

Minha diversão do dia acabou se estendendo por toda uma tarde, tamanha a dificuldade em tirar aquela espuma do chão e enxugar o piso. Isso sem mencionar o fato da minha filha ter adorado deslizar pela cozinha brincando de “patinação nas nuvens” e sair com pezinhos de algodão por toda a casa. Acabei o dia exausta.

Pelo menos a casa ficou com aquele cheirinho delicioso de orvalho de jardim.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Solidariedade Feminina

Outro dia minha filha de apenas quatro anos e sete meses, como ela faz questão de frisar, chegou da escola e me contou que tinha beijado na boca. O choque foi tamanho que não consegui nem soltar o berro que ficou entalado na minha garganta. Melhor assim, não quero assustá-la e fazer ela perder a confiança em mim. Espero que continuemos amigas e confidentes durante toda a vida. Por isso respirei fundo e perguntei se o colega cúmplice da arte também queria beijá-la. Afinal, até que ponto vai a safadeza dessas crianças? Para meu alívio não, o menino não queria beijá-la. Foi ela, com toda a determinação feminina do século vinte e um, que não só correu atrás dele como segurou sua cabeça e o beijou a força. Outro berro entalado. Inspira. Expira. Expliquei, então, que beijamos na boca quando temos um namorado que também quer beijar a gente. Ela então perguntou com a indignação do ser humano mais incompreendido da face terrestre: “Mas mamãe, como a gente faz quando eles não querem beijar a gente?” Foi então que tive uma daquelas visões que dizem acontecer nos segundos antes da nossa morte e vi todos os amores não correspondidos que judiaram do meu coração durante a vida. Coloquei a mão no ombro da minha filha em solidariedade e respondi: “Esta, minha querida, é uma boa pergunta.”


quarta-feira, 20 de maio de 2009

Prós de um marido

A aula acabou num piscar de olhos. Despenquei para a realidade e vi que ainda faltava uma hora inteira para encontrar com meu marido em um restaurante ali perto. Lembrei do Sophie Kinsella que por sorte ainda estava na minha bolsa. Ufa... distração garantida. Não achei, contudo, muito esperto da minha parte abrir “Confessions of a shopaholic” com sua capa rosa choque na frente da professora, uma dessas intelectuais de meia idade com pele super bem hidratada que usam echarpes e falam de literatura sempre sorrindo (o que nos obriga a sorrir de volta a cada contato visual estabelecido). Tudo bem que estava com a versão em inglês, o que me dava algum crédito. Ainda assim, era um best-seller do New York Times. Melhor ir ler no restaurante.


Cheguei lá toda orgulhosa por não ter ficado perdida pela cidade. O lugar era bem aconchegante. Logo achei uma mesa, sentei-me e abri o cardápio. Não estava com sede nem nada, mas eu sempre achei um arraso essas mulheres que ficam bebendo um Martini com azeitona sozinhas no restaurante até um homem maravilhoso aparecer e acender o seu cigarro. Não tinha Martini no menu e eu não fumo. Pedi um “meia de seda” e tirei meu Kinsella da bolsa.


Lembrei-me dos meus dezesseis anos, quando eu jamais chegaria em algum lugar sem uma amiga do lado. Ao contrário daquela época, eu já não achava mais que as pessoas ao meu redor pensavam que eu estava levando um bolo, nem que eu era solitária ou suicida. Na verdade, dez anos mais velha, o que senti foram vários olhares de admiração: Que mulher independente!


Toda minha segurança ficou abalada quando uma menina maravilhosa entrou com um amigo e sentou-se na mesa ao lado. Ela também usava uma echarpe, o que significava que ela era algum tipo de intelectual. (Por que eu não trouxe a minha?) Ela era branquinha, cabelos castanhos claros, rosto de francesinha delicada. Em outras palavras ela tinha aquela cara de cê-u que os homens adoram (ou não). Não sei porque, mas ela não tirava o olho de mim. Eu podia ler três páginas seguidas, mas bastava levantar o olhar para pegá-la me olhando. Mas que inferno! Será que ela é lésbica? Será que estou com bigodinho de Meia de seda? Só por precaução preferi dobrar a capa meu livro.


Um grupo de pessoas abriu a porta e eu virei para ver se era quem eu esperava. Droga: não era. Droga de novo: eu não devia ter olhado. Isso me fazia parecer ansiosa, com medo de levar um bolo.


O grupo foi direto para a mesa da francesinha estúpida. Ótimo! Agora ela tinha um monte de amigos e eu era uma abandonada. Fechei meu livro e arrumei a postura. Joguei meu cabelo pro lado. Eu estava ótima.


Pra completar ela começou a conversar na maior altura, já que agora eu tinha me livrado do meu escudo (o livro) e poderia prestar atenção na conversa dela. "Garçom, por favor, uma coca zero (só porque não existe a Coca-um-negativo) sem gelo. PRECISO POUPAR MINHAS CORDAS VOCAIS, ESTREIO SEMANA QUE VEM".


Pensei em mandar uma mensagem para ver se ele ainda ia demorar, mas me detive antes de assinar meu decreto de insegurança. Sequer olhar as horas no celular é sinal de desespero absoluto. Não olhe as horas. Não olhe as horas.


E o papo continuou, sempre com ênfase nas partes em que dava a entender que era atriz. Pra falar a verdade, só então reparei no resto das pessoas que estavam no restaurante e todas pareciam ser atores (ou então roupa de brechó realmente está na moda e eu não sabia).


Ela olhou de novo. Maldita! Sustentei o olhar na direção dela, aceitando o desafio. Que diabos você quer de mim, sua francesa estúpida? Ela cerrou as pálpebras como quem diz: “eu sou uma atriz enquanto você é uma aspirante à escritora alcoólatra e solitária.” Será que ela sabe do meu desejo de ser escritora? Decidi que era hora de apelar para minha melhor arma: A ALIANÇA! (É hora de morfar!)


Levantei a mão esquerda e apoiei meu rosto nela, deixando apenas uns dois centímetros entre meu olho esquerdo e a aliança. "Muito bem, sua idiotinha. Você é uma atriz mas EU TENHO MARIDO! Beat that!"


Antes que nossas falas saíssem do plano telepático e realmente fossem pronunciadas senti uma mão no ombro. Quase desmaiei de susto. Era meu marido, lindo, de terno e gravata. Assim que levantei me deu um beijo daqueles de tirar o fôlego e sentou na minha frente. Finalmente, o meu time tinha entrado em campo. Eu era feliz, linda, casada... e não precisava de uma echarpe para ser intelectual.


Olhei para a francesinha com um olhar de desprezo e disse com as pálpebras: "GET A JOB!"



sexta-feira, 15 de maio de 2009

Amores em série

Se ando pensando muito nos dilemas profissionais da minha vida, é porque as questões emocionais estão muito bem resolvidas. Sempre fui mais emoção que qualquer outra coisa. Se um gênio da lâmpada me aparecesse e pedisse para eu optar entre um super emprego milionário e um grande (e mesmo que pobre) amor, eu optaria pelo amor sem sombra de dúvidas.

Outro dia estava conversando com uma amiga solteira e me dei conta de que ter o coração acalmado com a certeza de uma relação terna e verdadeira é um alívio e tanto.

Minha amiga é um mulherão de 1,70 de altura. Loira, turbinada, livre de celulite. Não por acaso ela causa danos por onde passa, deixando uma fila de homens de quatro pelo caminho. E porque ela também se apaixona por todos eles acaba sendo alvo de análise entre o pessoal. Todo mundo a acusa de ser superficial, ou imatura, ou ainda covarde por não querer se aprofundar em uma relação monogâmica nem depois do 20 anos de idade. Em vez de ir a fundo em uma paixão ela vive pulando de um romance para o outro, pulo este que pode ocorrer num espaço de 24 horas, às vezes 12.

Mas eu entendo o drama de ser solteira dela e toda a sua aflição. Ao contrário do que a oposição acredita, o problema da minha amiga não está na falta de um amor verdadeiro. Afinal, para ser verdadeiro o amor não precisa de longa trajetória de convivência, nem de aliança e almoço de família. Para falar a verdade o amor não precisa nem de presença física. Ele pode acontecer em uma fração de segundos, numa troca de olhares dentro de um ônibus lotado. Vive-se um amor inteiro dentro de olhos tão cheios de possibilidades.

Da mesma forma também é amor, em toda sua plenitude, o que a fã sente pelo seu ídolo, e o que o aluno alimenta pela professora primária. O que difere um amor do outro, nestes exemplos, são as relações entre quem ama e quem é amado. Mas o amor é autêntico em todos os casos e não se distingue por profundidade. O amor apenas é.

Ter um só amor é tarefa difícil. Escolher um alguém para amar significa abandonar centenas de possíveis amores. É acreditar que almas gêmeas são demasiadamente iguais para ficarem junta uma da outra. É ter fé que se pode viver vários amores em um amor só.

Talvez eu seja a única pessoa, então, que acredite que minha amiga sofre de excesso de amor, e não falta dele. Ela pode carecer de relações e tudo o que ela nos proporciona, mas de amor ela está bem servida. Tão bem servida que anda meio desnorteada... porque o amor é grande demais. Amar cansa porque preenche toda a nossa existência. E se um amor já nos consome e tira o foco da nossa razão, que dirá uma série deles.



quarta-feira, 13 de maio de 2009

Calcinhas no Divã

Eu não sei alguém já reparou, mas as calcinhas que usamos refletem diretamente o nosso humor do dia.


Não são como os cabelos, que determinam este humor. Alguém já teve um dia bom depois de sair de casa com o cabelo oleoso e sem lavar? Tenho certeza que não, da mesma forma que estou certa de que nunca neste planeta alguém saiu do salão com uma super escova maravilhosa se sentindo deprimida.


A história com as calcinhas é diferente. Trata-se de uma relação passiva. Elas não mudam o nosso humor como o cabelo, apenas refletem-no.


A escolha diária de calcinha definitivamente não é aleatória.


Por exemplo, em dias de baixo astral quando de repente ataca aquela saudade de colo de mãe (provavelmente resultado de uma gripe ou TPM) a gente abre a gaveta e já vai direto na calcinha enorme e proporcionalmente velha. Apesar do desbotado, você consegue identificar bem as sombras de desenhos que sobram da estampa. Afinal, são anos e anos de intimidade com aquela exata calcinha. Você a tem em consideração como uma velha e fiel amiga e nunca, jamais cogitou jogá-la fora durante uma limpeza de armário.


Há também aquela calcinha que você odiou desde o início. Ela é grande e cara e você só a comprou na esperança de poder substituí-la pela calcinha-velha-amiga. Mas foi chegar em casa e vesti-la e você não só já se arrependeu como sentiu um remorso enorme por ter cogitado dispensar a sua antiga companheira. Você não tem coragem de dar a maldita para alguém porque ela é nova e custou caro demais. Então você a deixa na gaveta e com o tempo ela vai sendo jogada para os fundos como um jogador esquecido no banco de reservas. Até o dia em que você está com pressa, abre a gaveta e não há nenhuma calcinha para usar. Você não viu isso acontecer porque a gaveta parecia estar cheia (de meias, biquínis, lenços, sabonetes). Você vasculha aquele emaranhado de coisas em desespero até que ela aparece gloriosa, provavelmente ainda com a etiqueta. Você nunca amou tanto esta calcinha. Então você a estica com toda a força que tem com o intuito de arrebentar alguns elásticos, mas a danada é de ótima qualidade e mal mal você conseguirá arrebentar um micro fio. Durante o dia você se arrepende por não ter checado o varal em busca de uma calcinha humana e jura que nunca mais usará a calcinha odiosa que você está vestindo. Aliás, você tem ódio do mundo inteiro neste dia. Mas você provavelmente vai esquecer-se de toda a mágoa pela calcinha antipática quando ela estiver lavada e guardada na gaveta. Ela irá para o banco de reservas novamente e entrará em campo em outro dia de desespero... o que se repetirá por muitos e muitos anos. Não se deprima, você não é tão fraca assim. Um dia você irá desfazer-se dela.


Subindo na hierarquia das “roupas-de-baixo” temos aquele tipo de calcinha da sua pré-adolescência. Ela só ainda serve porque já teve os elásticos arrebentados e as fibras do algodão perderam toda a elasticidade. Na camada dupla de pano há uma coleção de furos-ventilantes, o que não lhe incomoda nem um pouco. Você não nutre nenhum sentimento afetivo por ela que apenas lhe é útil. Estranhamente é selecionada justo quando você está super produzida para uma entrevista de emprego ou situação onde você precisa se sentir confiante. Além de não incomodar, a calcinha não marca a roupa. Você é uma mulher segura, com a auto-estima nas alturas. Aquele trapo que nunca permanece corretamente dobrado na gaveta, mas sim engruvinhado pelo elástico vencido, provavelmente se decomporá antes que você resolva jogá-la fora.


Para enfeitar a gaveta temos todas aquelas calcinhas maravilhosas de renda e lycra. Quando a gente as vê na sacola da colega que trouxe para revendê-las no trabalho ou mesmo nas araras das lojas elas parecem irresistíveis. Você precisa delas. E elas continuarão lindas por muito e muitos anos, porque você mal vai usá-las. Primeiro porque são estreitas demais. A renda se enrola toda e faz seu pneu lateral se dividir em dois, como um vale entre duas montanhas. Quando você finalmente a tira no fim do dia procura por ferimentos no quadril. Doeu tanto que deve ter sangrado. Você está triste, se sentindo gorda e injustiçada pelo mundo. (É o momento certo de recorrer à velha calcinha amiga.)


E no topo da família das lingeries encontraremos as mini porém majestosas tangas-super-sexy. São como os vestidos de gala no nosso armário: têm o grande privilégio de só serem usadas em ocasiões especiais, quando você está depilada e muito bem humorada. (Ninguém escolhe uma calcinha fio-dental com strass num dia infeliz). As rainhas da gaveta, serão usadas por poucas horas e terão direito a sabão de coco e banho à mão.



sexta-feira, 8 de maio de 2009

Sobre mães e filhas

Eu não tenho filho homem e nem quero gerar conflitos entre mim e meu irmão, mas acredito que a relação entre mães e filhas seja especial.


Desconfio ter sido na infância o que minha filha é hoje: a melhor amiga da mãe. Costumava acompanhar minha mãe em tudo quanto é lugar- cabeleireiro, supermercado, academia, loja, chá, bingo. Lembro com muita clareza de esticar um colchonete do ladinho dela na aula de localizada e ficava lá, imitando-a levantar as pernas e fazer abdominal.


Em algum estágio do meu desenvolvimento aconteceu uma dessas coisas que Freud explica: passei a nutrir uma enorme vontade de morar em uma casa junto com minha avó, minha mãe e uma filha que um dia, de alguma forma, eu haveria de ter. A idéia de viver nesse universo feminino e cheio de ternura era maravilhosa. Fiz ,então, o meu pacto de fidelidade e amizade eterno com as mulheres da minha vida.


Agora penso que esses desejos da infância escondidos no subconsciente possam ter um dedo a ver com as circunstâncias do nascimento da minha filha. Naquela altura meus pais já eram separados, meu irmão ficava mais fora do que dentro de casa e eu não tinha marido, sequer um namorado de verdade. Éramos apenas nós três: eu, minha mamãe e minha filhinha. Mais tarde formamos o quarteto indo parar as três de mala e cuia na casa da minha avó. Fez-se realidade minha fantasia de infância.


Quatro mulheres constituíam uma família completa. Nós nos entendíamos em todas as nossas complexidades e nos bastávamos. Mas que traiçoeiro é o amor, com as suas várias faces.


Quando me apaixonei por um homem, alguém que definitivamente não constava nos meus planos infantis, senti-me uma grande traidora (depois de surpresa e confusa). Que direito tinha eu de romper o meu pacto cor de rosa? Quem era eu para tirar da minha mãe a neta que ela viu nascer e crescer? E aí me vi amarrada pelos braços apertados do amor materno, redobrado pela presença da minha querida avó.


Quanta coragem deve ter uma mulher para dizer sim a um homem diante do altar.


Hoje, quando vejo minha filha me imitando na maneira de falar ou de carregar a bolsa ou passar o batom, temo pela possibilidade de um dia ela querer viver apesar de mim. E então tenho raiva do amor ser assim, tão possessivo e cruel.


E de repente fica tão mais poético pensar nos reencontros de domingo, nas trocas de receita, nos telefonemas a longa distância, nos genes perpetualizados, nas manias herdadas... e nas várias outras formas de ser para sempre mãe e filha.





Mami Ana Maria, feliz dia das mães! Amamos você!!!


quarta-feira, 6 de maio de 2009

Adorável Intruso

Quando eu era grávida fiquei preocupada. Afinal, onde estava aquele amor louco de mãe para filho? Eu sentia alguma coisa pelo meu oculto bebê, mas estava longe de ser o que as propagandas de dia das mães tentavam explicar.

Por via das dúvidas (literalmente), resolvi perguntar ao psicólogo. Ele disse para não me preocupar pois todo tipo de amor é conquistado, inclusive o materno.

Então continuei esperando, que é o que as grávidas fazem além de comer e fazer xixi. Alguns dias antes da cesárea eu olhei para o meu quarto e vi todas as minhas coisas de adolescente empilhadas de um lado e do outro vi a imensa bagagem daquela visita iminente. Quem era aquela pessoa folgada que estava para chegar e ficar de vez, assim, no meio da minha vida?

Vocês já notaram como as lembrancinhas todas dizem “Cheguei”? Não podia ser um “Dá licença, por favor”?

Será que a juventude iria gostar da nova colega de quarto: a maternidade? Ela nem chegado tinha e já estava tomando conta de quase tudo, oras bolas.

Então chegou o dia, uma tarde preguiçosa e alegre de domingo. Talvez o único fim de tarde de domingo alegre que já aconteceu na história da humanidade. Com a serenidade de alguém que não tem a mínima idéia da real dimensão do que estava preste a acontecer, fui para a maternidade com a minha mãe e a “visita” clandestinamente viajando em minha barriga.

E então entendi porque chamam o nascimento de milagre. O milagre não é a vida. A vida já existia lá dentro, enquanto eu era o transporte. Completa e cientificamente explicado.

Milagre foi ver tudo, absolutamente tudo em mim se modificar em uma fração de segundos.

Com a primeira nota do seu choro de vida eu reconheci, quase como se tivesse finalmente caído em mim e lembrado, quem era a minha visitante.

E desde então estou em busca de um poema que consiga descrever o que eu sinto pela minha filha sem soar como um clichê. Nada contra os clichês (adoro a honestidade de suas verdades). Talvez apenas uma coisa contra: os clichês, de tão recorrentes, transformaram-se em objetos e as pessoas usam e abusam deles sem realmente pensar em seus significados.

Nem Camões nem Shakespeare. O que mais chegou perto, mesmo que ainda longe, do meu sentimento foi o rei. Elvis? Não. Roberto Carlos. Afinal, não precisa complicar em versos e vocabulários para fazer sentir. Um toque vale tão mais que a descrição do sistema nervoso.

E todo calmaria ele diz: “Você não sabe quanta coisa eu faria além do que já fiz, você não sabe até onde eu chegaria pra te fazer feliz. Eu chegaria onde só chegam os pensamentos. Encontraria uma palavra que não existe pra te dizer nesse meu verso quase triste como é grande o meu amor!”

E enquanto as palavras não alcançam os pensamentos, vou tentando sem sucesso...

Como poderiam as palavras
Entrelaçarem-se de tal forma
e resultarem em uma frase
Que não cabe dentro das letras

Como pode um ser
Tão de carne e osso
Expandir sua presença
Para além dos meus universos

Como pode uma mãozinha
macia e despreocupada
Fazer prisão perpétua
Com meu coração ansioso

Como um piscar despretensioso
Assopram todos os significados do mundo
e me levam para um vazio
repleto de ternura


...

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Momento "Sex and the City"

O inferno astral este ano foi intenso. Sempre me dá essa depressão na véspera do meu aniversário. Desde pequena lembro de ficar assim, achando que ninguém ia aparecer na minha festinha porque ninguém gostava de mim a ponto de querer celebrar a minha existência. Estando aqui em São Paulo, longe de todas as pessoas que me amam (com exceção do meu marido e da minha filha), a solidão ficou ainda maior. Estava me sentindo abandonada e esquecida, presa na minha ilha doméstica.


Por isso hoje resolvi tirar o dia para mim.


Acordei, fiz as unhas dos pés e das mãos. Depois lavei meu cabelo estreando minha Máscara de tratamento concentrado Natura. Passei o creme das mãos, dos pés (na verdade só em um dos pés porque o creme já estava em seus finalmentes), do rosto e do corpo. Desenterrei a chapinha do fundo do armário e descobri que estou conseguindo chapar meu cabelo com muito mais facilidade. (Será por causa da prática com o ferro de roupas?)


Fui para o quarto e escolhi uma calcinha de renda em vez das de algodão de todos os dias. (É impressionante como as calcinhas que escolhemos tem tudo a ver com o nosso humor. Ainda vou escrever um texto sobre isso.) Descobri com muita satisfação que minha calça jeans skinni cós baixo azul escura 40 estava me servindo sem causar erupções laterais de banha. (Bendito Vigilantes!) Combinei a calça com uma blusinha nova xadrez rosa que apesar de ser da C&A fica uma graça e dá um ar elegante. Deixei o conforto de lado e coloquei minhas sandálias pretas com micro tiras de strass, que ficaram alegríssimas em finalmente sair do armário. Tirei a sobrancelha, coloquei maquiagem. Coloquei brincos, o que não foi nada agradável depois de tanto tempo sem usar nada. Eu praticamente tive que furar a orelha novamente. Até agora estão latejando.


Dei almoço pra minha filha, coloquei seu uniforme e na saída de casa olhei para trás e vi minha casa de pernas pro ar. Roupas para passar no meio da sala, alguns copos espalhados, brinquedos por todos os lados, gordura respingada pelo fogão, cheiro de bife nas paredes... e todas essas outras coisas do cenário da dona de casa. Olhei bem pra todas elas, empinei o nariz e dei uma virada triunfal, saindo porta fora rebolando esnobemente. Eu sabia que toda a bagunça ia ficar magoada com o meu abandono e como previsto, quando cheguei em casa elas estavam ainda mais bagunçadas, só de birra.


Mas eu não estava nem aí. Eu mereço um dia para dondocar.


Deixei a minha filha na escola e fui encontrar meu marido para o almoço. Almoçamos num restaurante maravilhoso. Mantive o regime, mas comendo com muito mais glamour. Minha salada que geralmente é de alface e tomate foi substituída por um prato com aspargos, tomate seco, alcachofra, palmito, champignon, mussarela de búfala e shitake. Ok, talvez eu tenha passado um pouco o limite dos pontos, mas ainda assim era salada. Depois comi um salmão grelhado regado com molho de azeite e alcaparras. De sobremesa, um mousse de maracujá com raspas de chocolate amargo. Divino!


Meu marido voltou para o trabalho e eu achei que o dia estava lindo demais para voltar para casa, mesmo porque eu sabia que teria contas para acertar com a turma daqui. No caminho para o shopping encontrei a mãe de um amiguinho da minha filha, uma trintona chiquerérrima que mora no apartamento mais lindo que eu já vi fora da televisão. Ela estava fazendo hora para buscar o filho na escola, mesmo que ainda faltassem duas horas para o sinal bater. Achei uma ótima oportunidade pra descarregar um pouco de toda a conversa acumulada que eu tenho guardada dentro de mim.


Com o sol a pino, vesti meus óculos de lente marrom, um desses que fazem qualquer mendigo parecer uma estrela fugindo de flashes, e saímos as duas pela avenida conversando sobre nossas filhas. O vento penteava nossos cabelos, ambos com luzes recentemente retocadas. (Estranho como uma avenida larga tem correntes de vento às vezes). Os penduricalhos da Louis Vuitton (dela, é claro) iam tirititando pelo caminho fazendo da nossa passagem algo realmente notório.


Pela primeira vez eu pensei que gastar horrores em uma Marc Jacobs pode não pressupor uma internação em clínica mental. Essas coisas podem realmente restaurar a auto-estima de uma mulher.


(Meu Deus, eu já até sei quem é Marc Jacobs!)


Mais feliz ainda foi saber que nós temos assuntos. Descobri que ela fez o enxoval do filho no Wal Mart, olha que coisa mais humana! Tudo bem que era o Wal Mart de Nova York (e sim, ela foi até lá só para isso). Nós lemos os mesmo livros e temos os mesmos medos com relação aos nossos filhos.


No final das contas, somos todos animais mortais cumprindo nosso ciclo de vida com a essência comum da nossa raça. Mais ou menos como os felinos: uns são leões com jubas imponentes, outros gatos vira-latas.





sexta-feira, 1 de maio de 2009

Receitas da Vovó

Quando somos crianças enxergamos as pessoas como personagens definidos que exercem uma ou outra função específica. Por exemplo: mãe é quem te ama mais do que tudo, professora é quem dá aula, avó é quem faz bolo cheiroso e quem te acolhe nas férias. Padeiro é quem faz e vende pão, motorista é quem dirige carro, irmão é quem atrapalha suas brincadeiras e assim por diante.

Lembro da primeira vez que um personagem se desfez em minha concepção. Foi quando, aos 17 anos, arrumei meu primeiro emprego como secretária em uma escola de inglês. Estar do outro lado do balcão me fez perceber que funcionários de lojas, escolas e lanchonetes são, acreditem se quiser, SERES HUMANOS! Isso foi uma grande descoberta porque até então eu não me dava ao trabalho de olhar na cara de um caixa de supermercado e nunca desconfiei que um mau atendimento poderia ser culpa de uma t.p.m. Para te ser sincera, nem sabia que essas mulheres chegavam a menstruar como as pessoas de verdade.

Depois acabei virando professora e tive vontade de ligar para todos os professores que passaram pela minha vida e confessar meus pecados. “Alô, tia Sirene! Aqui é a Nina, fui sua aluna no Jardim I em 1987. Desculpe não ter ficado no meu lugar da fila. Eu sei que eu era mais alta, mas eu queria ficar perto da Carol, minha melhor amiga baixinha. Também sei que isso não é desculpa e que você tinha seus problemas... eu devia ter facilitado as coisas pra você.” Em seguida: “Alô, professor Osvaldo? Aqui é Nina, fui sua aluna há uma década e eu queria me desculpar por ter dormido na sua aula. Na época eu não sabia, mas hoje eu sei que a matéria era interessante e que um dia eu sentiria falta deste conhecimento. Pois é, fez falta.”

Tirando essas descobertas perturbadoras que fazem a gente sentir vergonha, também existem outras deliciosas de se fazer.

Uma delas é a de que a vovó fofa e cheirosa um dia foi mulher como a gente e teve um corpo que foi objeto de desejo de um homem alto e bonito, provavelmente seu avô. Ela era linda e adorava se maquiar. Tinha as sobrancelhas arqueadas e bem desenhadas, como as de uma boneca de louça. Usava um batom vermelho que era possível se notar há kilometros de distância.(Você obviamente não se deu conta disso nas fotos porque elas são em preto e branco). Ela vestia um sutiã de ponta que resolvia o assunto como nenhum silicone consegue. Naquele dia de mil novecentos e quarenta alguma coisa ela estava especialmente deslumbrante com seus sapatos de salto e colônia. Tinha passado a noite de bob no cabelo e caprichado no blush. O motivo da super produção? Visita do Tio Joaquim, com seu neto Geraldo, um rapagão de cabelos castanhos e olhos verdes. Ela lembrava dele um tanto moleque, mas sabia através das tias que ele crescera e servia o exército. Provavelmente teria encorpado, ficado mais forte e bronzeado. Para fazer bonito, sua avó foi para a cozinha e colocou toda sua criatividade culinária em prática e fez uma torta de frango como nunca se comeu em terras brasileiras. Geraldo comeu como um cachorro faminto, trocando olhares com sua avó durante a refeição. Ele era ainda mais bonito do que ela havia imaginado. Ele aproveitava quando ela abaixava o olhar para poder espiar os seus seios (mal sabia ele do sutiã super poderoso).

Geraldo é seu avô, apesar de ser uns dez centímetros menor do que naquele almoço. Sua avó é aquela coisa fofa e materna que você ama. E a torta de frango ainda é feita, domingo após domingo e foi intitulada como a “Receita da Vovó”. E a gente desfia o frango cheia de ignorância.

Provavelmente só vamos nos dar conta inteiramente disso, da multiplicidade das pessoas, quando formos avós e estivermos vendo nossas netas brincarem de princesa com a camisola que usamos na nossa noite de núpcias ou coisa assim.