sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Memórias de uma gravidez conturbada: a hidroginástica.


O tempo foi passando e os ponteiros do relógio pareciam ficar mais pesados, assim como eu. Os minutos se arrastavam em círculo e, não tendo mais o que fazer entre meus intervalos de choro, eu comia.


Nos primeiros meses eu apenas aumentei as porções do dia. Em vez de duas colheres de arroz eu já começava com quatro. Depois as porções ficaram tão grandes que precisavam ser divididas em dois ou três pratos. Certo dia, quando eu partia para o quarto prato de bobó de galinha com arroz e batata palha, meu irmão segurou minha mão indignado. De acordo com ele o meu estômago estaria tão dilatado que o espaço para o bebê dentro da minha barriga diminuía a cada garfada. Ele temia pela vida de um bebê esmagado pelo bobó de galinha.


Não com muito entusiasmo, fiz a minha inscrição na hidroginástica. Achei um maiô preto no fundo da gaveta da minha mãe que ficou perfeito. Com a lycra brilhante a la anos 80, eu parecia uma orca ao contrário: barriga preta reluzente e costas e membros brancos. Praticamente a Shamu. Olhei para baixo para averiguar o estado cabelístico da minha virilha. Contudo, só o que consegui avistar depois daquela imensa barriga era a ponta dos meus dedos do pé. “Ótimo”, pensei. Aquela velha história de que o que os olhos não vêem o coração não sente.


A sala cheirando a cloro era relaxante por si só. Eu poderia pegar no sono ali mesmo, na arquibancada. Infelizmente a professora notou a aluna nova (não sei porque eu pensei que tudo aquilo que era eu poderia passar despercebido, mas enfim...) . Fui apresentada ao grupo de sessentonas atléticas. Todas sorriram simpaticamente. Pelo visto não tinha como eu escapar.


Caminhei em câmera lenta até a beira da piscina com medo de aquaplanar nas poças de água até que cheguei à escadinha. Olhei bem para aquelas frágeis estruturas de alumínio e preferi sentar na quina da piscina, com uma nádega em cada um dos lados. Estiquei meu braços e lancei-me na piscina olímpica causando um mini tsunami que chegou até a outra margem sem grandes danos.


Ao contrário do que eu imaginava, a aula de hidroginástica não era nada relaxante. Logo nos primeiros dez minutos eu já estava cansada o suficiente para dormir uma semana inteira. E depois de duas ou três aulas a professora também não estava tão mais paciente com minhas limitações e me mandava boiar toda vez que o exercício proposto era abdominal. Não que eu achasse ruim. Muitas vezes ela se esquecia de mim e eu continuava boiando pela piscina a aula inteira num estado de semi-sono. De vez em quando eu colidia com algum aluno e levantava assustada percebendo que eu ainda estava na academia, e não flutuando entre as nuvens. Pedia desculpas meio sem graça, dava uns pulinhos para trás e voltava a boiar sem nem olhar se o exercício abdominal tinha acabado ou não.


Da segunda semana em diante a rotina estava estabelecida: tsunami, boiada, guindaste para fora da piscina, casa, geladeira, cama. Os três meses de hidroginática me renderam ótimas tardes de sono, um apetite ainda maior e, é claro, um cabelo desidratado.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Paradoxo

A palavra da vez é “paradoxo”. Depois que o papai, sempre engajado em deixar a menina culta, ensinou o significado de paradoxo ela não passa um dia sem tentar colocar o novo vocabulário em prática.

Filha, paradoxo é a maternidade.

Por você enfrento o mundo sem medo. Sinto-me até um pouco bicho... Farejo as coisas, escuto de longe, rosno, mordo. Tudo pra te defender. Sem titubear eu pularia no pescoço de quem quer que lhe faça mal, esquecendo toda a racionalidade humana. Sou heroína porque, como os heróis de filmes, enfrentaria um batalhão sozinha sem pensar duas vezes.

Mas também por você, sinto-me a pessoa mais frágil do mundo. Um simples olhar triste, vindo de você, é capaz de estilhaçar meu coração em infinitos pedaços. A sua tristeza se multiplica em mim e fico como um bebê chorão, sem economia de lágrimas. Os problemas que a envolvem ganham proporções monstruosas e me fazem pequena demais.

Você é meu ponto fraco e meu ponto forte.

Isso é um paradoxo, minha filha.



terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Fidelidade In


Talvez tenham sido os contos-de-fada… mas viver um relacionamento real tem me mostrado que eu estava bastante enganada sobre muitas coisas a respeito do amor. Por exemplo: a fidelidade.

Acreditava que depois de achar a pessoa certa pra mim tudo estaria resolvido. Era botar a aliança no dedo e automaticamente o Brad Pitt perderia os dentes, o Jude Law ficaria vesgo e por aí vai. Doce engano. Mesmo depois do casamento pessoas bonitas e bacanas continuam existindo. E o pior: mulheres bonitas e interessantes também.

Se durante o namoro quase não havia ciúme, com o casamento as coisas se agravam. Em vez de dar segurança, a institucionalização do relacionamento te alerta: cuide do que é seu, porque agora sim você pode dizer que ele é SEU marido, de papel passado e tudo.

E assim, aquele amor que combate dragões, bruxas e madrastas acaba se tornando uma coisa bem mais frágil do que se pode imaginar. Como um vaso de cristal finíssimo, é preciso carregar o casamento com as duas mãos e muita atenção e sutilezas.

Com príncipes e princesas soltos por aí, pode saber: não, o mundo não irá conspirar a favor da sua fidelidade quando você decidir que ama alguém. A fidelidade depende exclusivamente de você e do seu trabalho. Ser fiel não significa que você estará entorpecida de amor depois de um passe de mágica feito pela fada madrinha.  Muito pelo contrário, ser fiel significa estar sempre consciente da sua própria escolha. É preciso muita maturidade para amar de verdade.

E o engraçado de tudo isso é que depois de enxergar o amor tão exigente de cuidados, ele fica de tal forma bonito que se torna um pouco mágico. Parece até coisa de conto-de-fada. Ah, o amor...

 

Ilustração: Ana Oliveira

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Amor-tecendo...

Acredito que uma das funções mais desgastantes da maternidade é a de amortecedor. Afinal, a vida não perdoa nem os pequenos e dá um trabalhão danado ficar amortecendo as pancadas destinadas aos nossos filhos.

Dia de vacinação, por exemplo, deixa-me exausta. Caminho sempre pro posto de saúde com aquele sorriso forçado, fingindo que aquilo é uma coisa legal. Logo em seguida vamos parar na primeira loja de brinquedos, que nada mais é que um caro analgésico para coração de mães em padecimento.

De tanto fingir que viajar de ônibus era uma coisa divertida, minha filha acabou convencida de vez. Enquanto eu respiro fundo e fecho os olhos para controlar o enjôo das curvas, ela vibra com a idéia de dormir numa semicama dentro de um ônibus “todinho dela”, de onde ela pode ficar olhando as estrelas pela janela, ou as nuvens.

E primeiro dia de aula então? Quanta animação a gente falsifica para esconder o medo e a insegurança da novidade?

Quanto mais a criança se deixa enganar e acredita nas nossas mentiras, mais lágrimas a gente tem que engolir. E o mais engraçado dessa história de ser amortecedor é que os pequenos, depois de convencidos dos nossos quase-sempre-falsos argumentos, acabam nos convencendo de volta de que a vida pode ser sempre bela, sim senhore positone. Fortes e sábias crianças, acabam elas sendo o nosso próprio amoretecedor.

Com a minha filha feliz vendo as estrelas pela janela do ônibus fica difícil eu ficar enjoada durante a viagem.