sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Fantasia e o Tudo Natalino

Outro dia revivi um dos meus prazeres de infância assistindo “A História sem fim”, longa dos anos oitenta, cheio de efeitos especialíssimos. Basicamente, o filme fala sobre a decadência de Fantasia, reino fantástico da ficção. O vilão da história é o Nada, representado por uma imensa nuvem negra que vai engolindo tudo o que aparece pela frente, deixando para trás apenas o vazio. O salvador da pátria é um menino em NY que, em história paralela, lê a misteriosa narrativa sobre Fantasia e o Nada. A moral da história é que a Fantasia existirá enquanto acreditarmos nela e a povoarmos com nossas ficções. Lindo e profundo.

Se Fantasia dependesse da minha filha, estaria bem protegida do Nada. Sua imaginação é sem limites, ao ponto de transformar qualquer ação cotidiana em uma surpreendente aventura. Sua cabecinha tem um acervo inesgotável de elementos mágicos que ela insere na realidade quando lhe convém. Em épocas como o Natal, que naturalmente já fornece figuras extraterrenas como o Papai Noel, duendes e renas voadoras, fica tudo ainda mais fantástico. Ou pelo menos deveria ficar.

Mas diante de uma infância inteligentíssima, vejo que a Fantasia Natalina está gravemente ameaçada. O vilão da vez não é mais o Nada, mas o Tudo, com sua vasta estratégia de ataque.

O plano se inicia com o ano novo, apresentando tudo quanto é tipo de lançamento na televisão. Quase doze meses depois, no Natal, é bem provável que a criança já tenha ganhado boa parte de seus objetos de desejo. As ocasiões que o Tudo forja para presentear crianças são diversas: além do clássico aniversário e do dia das crianças, o Tudo abriu frente invadindo no dia das bruxas, dia de vacinação, dia de tristeza aguda, dia de despedida, dia de dente caído, dia de promoção e por aí vai. O presente de natal é só mais um entre tantos outros, varrendo pra bem longe as expectativas da noite de Natal.

O que manteria o espírito natalino pulsante nos coraçõezinhos infantis é a figura do Papai Noel, com sua aparição epifânica na grande noite. Mas o Tudo já se deu conta disso, distribuindo tudo quanto é tipo de Papai Noel cover em cada esquina da cidade. Você verá um exemplar em cada shopping que conseguir entrar. Golpe baixo do Tudo, responsável por problemas do tipo: “Mamãe, ele não mora no Polo Norte?”, “Mamãe, porque ele ficou tão magrinho de ontem pra hoje?”, ou “Mamãe, porque ele está aqui se ele tem que fazer presentes para todas as crianças do mundo?”. Isso se você não morar do lado do shopping e tiver o desprazer de ver o bom velhinho fumando um cigarro entre turnos, o que causaria danos irreparáveis.

O Tudo instalou seu exército nas lojas de brinquedo, onde levamos nossos filhos inconsequentemente durante o ano. Lá tem tudo quanto é brinquedo. “Mas mamãe, não é o Papai Noel e os duendes que fazem os presentes?” Já vi mãe ajeitando a saia justa dizendo que o Papai Noel modernizou, tem contatos diretos com as lojas e que agora ele compra em vez de fazer os brinquedos. Isso ainda as poupa de ter que trocar as já facilmente reconhecíveis embalagens das lojas por outras mais artesanais.

Driblar o Tudo diante de uma criançada cada vez mais esperta colocou o espírito natalino em xeque-mate. Bem mais fácil seria combater o Nada. Contra o Nada bastaria contar uma história de Natal antes de dormir ou assar biscoitos para o Papai Noel.


Imagem daqui.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Partida às avessas

O que venho relatar são apenas impressões pessoais, pensamentos que vibram na minha pele, agora tão sensível. Antes de compartilhar o que até este momento pertencia só a mim, gostaria de deixar claro que não se trata de nenhum apelo a esta ou aquela religião. Sequer pretendo fazer referência a credos, portanto que fique minha experiência registrada como uma anedota, nada mais. 

O ano que se esgota começou com a dolorosa partida do meu avô. Homem gigante, de corpo e alma. Só dois pés número 46 poderiam sustentar em equilíbrio tanta beleza de ser humano. Sua morte foi triste, mas sem revoltas. Mais ou menos como é despedir-se da infância, imagino. A gente sabe que é hora, a gente sabe que o que passou ficará para sempre tatuado em nossa existência, e a gente pode até não querer, mas acaba prestando nossas reverências à majestosa mãe natureza. Era a hora dele. Teve uma vida bonita, partiu sem sofrimento. 

Ainda que estivesse convencida da precisão do destino, era triste dizer adeus (ou seria a Deus?). Durante o velório as lágrimas caíam ansiosas, conscientes de que eram a última manifestação física daquele amor. Em certo momento, um grupo de pessoas se aproximou para uma oração e eles contaram, com a dose de alegria que convinha para a ocasião, que meu avô estava sendo recebido com grande festa nos céus. Enquanto nós chorávamos por aqui, os do lado de lá comemoravam o fim da longa espera. Aquela imagem me trouxe calma inexplicável. Achei que era melhor encurtar as despedidas para que ele pudesse aproveitar a festa de chegada. 

Grávida pela segunda vez, venho sonhando constantemente com meu avô. Inevitável não me lembrar daquele fim que também era começo.  E com isso me pego pensando se, enquanto carinhosamente forro as gavetas do armário que será do meu filho, lá nos céus as pessoas estão em luto, chorando suas lágrimas de despedida. Então mentalizo, desejando que meus pensamentos sejam transcendentais, para que todos do lado de lá escutem: Filho, serei sua mãe e desejo muito a sua chegada. Você terá uma irmã e um pai especiais que também já te amam muito. Estamos todos te esperando com alegria e estaremos reunidos quando você vier. Tudo está sendo preparado para que você se adapte por aqui e para que sua trajetória não seja apenas confortável, mas maravilhosa. Não tenha medo. A vida também é boa. E será. 


Mais sobre meu avô: AQUI
Mais sobre o segundo filho: AQUI

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sô-lidariedade

Há quase um ano venho ensaiando um texto e, apesar dos meus esforços, das palavras que procuro encontro apenas alguns rumores. Geralmente tudo o que me toca, de uma forma ou de outra, vira texto. Seja uma postagem apaixonada no blog, uma carta saudosista ou um email de desabafo, toda emoção quase sempre fica registrada.

Dia 23 de dezembro de 2010 passei por uma dessas emoções avassaladoras, daquelas que são grandes demais e necessitam desesperadamente de serem diluídas em versos. A filha da minha grande amiga era diagnosticada com câncer. Sei que, para quem apenas lê estas linhas, a frase já é impactante o suficiente. Nenhuma criança no mundo deveria sofrer, nem por um joelho ralado, que dirá por uma doença tão terrível.  Ainda assim, gostaria de insistir que não é qualquer criança, nem qualquer amiga. 

Nossa amizade nasceu espontaneamente, num cruzar de ruas e de vidas. Nossos laços não parecem ter sido construídos ao longo do tempo, mas, sim, instantaneamente reconhecidos. A semelhança de nossas trajetórias garantiu-nos um bem querer gratuito, como se uma visse na outra um pouco de si. 

Obviamente todo o carinho foi transferido aos nossos filhos. Compartilhamos problemas familiares, escolares, brinquedos, comida, festas, febres e conquistas. Como poderia eu, ficar imune àquela notícia horrível? Não era apenas uma criança, era a criança tão querida e tão próxima de mim.
               
Desde então venho acompanhando a luta da pequena grande guerreira, que sequer desconfia da coragem que tem. Pude quebrar muitos mitos com relação ao câncer, apesar de acreditar que ele continua sendo um bicho de sete cabeças. Sofia vem tirando de letra, com seu amigo do peito e uma mãe-muralha ao lado. Se naquele primeiro momento o texto que arranhava minha garganta era cheio de amargura, depois foi aparecendo outro cheio de orgulho. Orgulho da pequena e da grande.
                 
Volta e meia aparece de novo a vontade de chorar as mágoas, mas que direito eu tenho? Que direito tenho de revelar o meu sofrimento quando ele é inútil e tão pequeno perto do sofrimento da minha amiga? Que direito tenho de dizer que compartilho a dor se não sou eu quem beija aquele rostinho todos os dias? E ainda, de que adiantaria drenar minhas tristezas para um texto quando o que se necessita é de conforto e otimismo?
                 
Resolvi, por tempo indeterminado, que não escreveria nada e que se dane se tanta emoção guardada me seja insuportável. Mas hoje achei um motivo para vir aqui e contar, mesmo que não contando, a história da minha amiguinha bailarina.  
                 
Durante o longo tratamento muitas e muitas transfusões foram necessárias.  A cada uma delas sempre vem o afago de um hemograma cheio de números e de duas bochechas rosadas. Mais do que para quem acompanha, é o corpinho dela que, a cada ml de sangue, se sente otimista na luta pela cura. 

Contudo, apesar dos maravilhosos recursos do hospital Albert Einstein, em São Paulo, falta sangue. E falta sangue porque faltam doadores.
                 
A consciência dessa falta é que me permitiu escrever essa emoção, a tanto tempo engasgada, porque agora, pela primeira vez, sinto que posso ser útil – pelo menos um pouco. Mesmo que não seja no Einstein, mesmo que não seja em São Paulo... existe alguém que precisa do seu sangue agora, neste instante. 

Doar sangue é fácil, é seguro, é rápido e, mais importante que tudo isso, é necessário.



(doações em nome de Sofia)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O segundo filho

Muito se fala sobre a inigualável experiência do nascimento do primeiro filho. Quantas vezes eu mesma tentei descrever tal emoção, procurando no infinito palavras que conseguissem transmitir a imensidão que é a descoberta da maternidade. Sim, re-descobrir o mundo como mãe é algo imenso e devastador: como um animal que troca de pele, rompemos nossas concepções, dilaceramos nossos conceitos, estreamos numa existência outra e muito, muito maior.  Como disse no início deste texto, trata-se de uma experiência inigualável. Não consigo suspeitar de nenhum possível fato futuro que supere a grandiosidade que é segurar um filho nos braços pela primeira vez. 

O segundo filho, nesta perspectiva, já nasce de mãe formada, sem causar muito alvoroço. Talvez por eu mesma ter um irmão mais velho, nasci conformada com o amor compartilhado (e também a atenção, o tempo, a comida e os livros de escola). Depois de aprender a amar e a me dedicar a alguém mais que a mim mesma – e ainda ter conseguido conjugar esse amor e dedicação com um companheiro – acreditei piamente que meu coração estava pronto para receber quantos filhos fossem, sem grandes esforços elásticos.
               
Tanta confiança me fez esquecer de que amor por filho é sempre doído. Antes mesmo do meu segundo filho deixar de ser ideia, já sentia os músculos do coração doloridos. Como machucava o desejo de ser mãe novamente, como ardia a espera pelo momento certo. E de nada adiantou ser expert em amor materno... Talvez justamente por sê-lo, as emoções de receber a notícia de um segundo filho explodiram, como um vulcão que há séculos esperava o momento de violentamente entrar em erupção.

Eu não sabia que seria assim. Deveria haver mais poemas sobre ser mãe de novo.


(To be continued...)


 Para Lia Miranda, Paula Homor e Mariana. 




terça-feira, 13 de setembro de 2011

Sete Anos


As fases vão passando rápido, exatamente como todos nos alertaram. Lembra daquela roupinha enorme que guardamos no fundo da gaveta até que um dia resolvemos experimentá-la  em nosso bebê e percebemos que ela nem servia mais? Pois é assim que venho me sentindo há alguns anos. Situações que pertenciam a um futuro muito distante invadem meu presente e eu reajo sempre com a mesma pergunta de espanto: MAS JÁ?

Outro dia ela me surpreendeu dizendo que o quarto dela era “muito infantil” e precisava de algumas mudanças. Mas já? Eu nem tinha acabado de comprar todas as princesas para enfeitar a prateleira e ela já queria guardar as que tinha dentro do armário. Cruel mesmo foi a sugestão de que tirássemos o papel de parede importado das princesas, aquele que eu e seu pai escolhemos com tanto capricho para lhe fazer uma surpresa.  

De coração partido fui enxergando tudo o que não queria ver. As coroas e asas de fada há muito não saiam da gaveta e ela já estava começando a se irritar com as músicas do Discovery Kids. E eu que ainda queria comprar aquela última fantasia que ela ainda não tinha me vi diante de um universo totalmente desconhecido.

Mas já?

Mas já que o tempo não perdoa... no seu primeiro dia de férias anunciei: que o passado passe e que o futuro seja bem vindo! Permiti que ela se libertasse da vigilância constante das princesas na parede para que pudesse escolher o que quisesse ser dali pra frente, com ou sem majestade. O que eu imaginava ser doloroso acabou sendo grande diversão. Num autêntico ritual de passagem, rasgamos o papel de parede às gargalhadas, competindo para ver quem tirava o maior pedaço. Ela, já tão grande e esperta, ajudou para que a parede fosse totalmente pintada em um só dia.

 Ao final da tarde ela já tinha seu quarto de mocinha e eu, uma filha lindamente moça. 


Queridos e queridas, apesar de parecer, este blog não foi abandonado. Tem sobrado pouco tempo e inspiração para escrever outra coisa que não seja minha dissertação de mestrado, mas garanto que logo voltarei a postar com maior frequência. Beijocas!

sábado, 28 de maio de 2011

Rumo à Maternidade


Amanhã, quando eu conseguir falar com você, minha amiga, você será outra pessoa. Isso significa que além de uma “sobrinha” (dada nossa irmandade de afetos) eu ganharei uma nova amiga. Amanhã, a essa hora, já terão cortado seu ventre e permitido vir à tona um ser humano novinho em folha, explodindo em choro sua vontade de viver. A essa altura, eles – aqueles que você não vê, mas estarão ao seu lado o tempo todo - já terão implantado seu novo par de olhos. Quando as lágrimas cessarem você verá que o mundo de sempre não é mais o mesmo. Olhos de mãe são dotados de sensibilidade desigual. Dói ver muita coisa, mas é dor bonita de sentir, eu garanto. Amanhã, ficarão claros os porquês do mundo, quando você sentir, através das batidas descompassadas do coração, sua vida se elevando à potência máxima.  Amanhã o dia será só de Alegria. Boa viagem, minha amiga. Conversamos do lado de lá.


 Imagem: Ciça e Letícia por Nina Fiuza. =)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

S.O.S imaginação


Justo você, tão inteligente, chegou em casa triste porque não era boa aluna. Os elogios da professora ficaram com o aluno obediente, que de tanto obedecer não teve tempo para questionar nem inventar nadica de nada. Na hora da lição de casa, completou a atividade com esnobe facilidade. Teve tempo de sobra pra enfeitar a folha de exercício com letras customizadas e desenhos inusitados. De repente lembrou-se do elogio que não ganhou e imediatamente colocou a borracha semi-nova em ação. Sobrou na folha só aquilo que o enunciado pedia. 

Nesse mesmo dia eis que surge na internet um concurso estimulando a criatividade infantil. A chamada para inscrição estacionou na minha tela de computador como uma ambulância escandalosa que veio socorrer minha pequena inventora, cuja criatividade encontrava-se gravemente abalada.

Espalho os lápis e canetinhas na mesa e a coloco diante do universo infinito que oferece uma folha de papel em branco. Crie, minha filha. Não há limites para sua imaginação.

Inscrevo seu desenho no concurso e saio em busca de votos. Cada vez que a luz dos seus olhinhos se apagava eu me empenhava com mais garra na campanha.  Mãe alucinada e inconveniente. Pois bem, filhotinha. Conseguimos. O ratinho colorido que nasceu dos seus traços é tão lindo que agora vai parar nos quatro cantos do mundo. 

E eu nem ligo se isso é chamado de mimo ou superproteção. Aqui em casa, no nosso universo, chamemos isso de amor. E não se esqueça do que a mamãe sempre diz: as pessoas mais importantes do mundo são as inventoras. 


 *Foto: Larissa Anzoategui

Gostaria de agradecer de todo coração a todos vocês que participaram da campanha e ajudaram a colocar o ratinho da minha pequena na coleção da Stella McCartney! Quando fiz a inscrição no concurso há pouco mais de um mês eu não poderia imaginar que isso iria tomar a proporção que tomou. A campanha rodou o mundo, trouxe pra perto amigos que tinham se perdido no tempo, trouxe novos amigos. Mas o que mais me comoveu foi ver o empenho absolutamente gratuito de pessoas que eu sequer conheço e que vibraram com a vitória como se Rainbow Mouse fosse o time de futebol do coração em final de copa do mundo. Eu, romântica de carteirinha, fico emocionada de ver essa vibração tão doce que partiu da minha princesa (a "Prin") se alastrar tão rapidamente por este mundo. Além de super orgulhosa, hoje sinto um otimismo enorme de que gente solidária consegue coisas inimagináveis. Que a internet continue unindo pessoas em prol de coisas muito maiores do que este concurso. 
What goes around, comes around. 
Love, Love, Love.... 
Nina Fiuza

segunda-feira, 18 de abril de 2011

STELLA'S LITTLE PROJECT


Com tanto luto rondando ela pensou que era hora de colocar mais cor no planeta. Não é de se espantar que a ideia veio da filha do homem que contou para o mundo inteiro que tudo o que precisamos é amor. Chamada geral para quem mais entende de colorido.  Venham crianças! Munam-se de suas potentes armas e busquem lá onde só vocês têm acesso as novidades mais felizes para alegrar a gente. Crianças a postos e a criação começa.  Lápis, tinta, giz de cera.  Seres dos mais diversos começam a brotar no papel, leste, oeste, norte e sul. Adultos  assistem boquiabertos porque achavam que para criar era preciso pelo menos nove meses. Seres vivificados começam então uma longa corrida. Todos querem colorir o mundo. Chamada geral para quem mais entende de competição. Venham adultos! Votem na sua beleza favorita. Consigam mais votos com seus aliados. Aliados, convoquem  seus aliados também. Eis que surge, em efeito dominó, o exército da amizade infinita (lembrando aos soldados de que estamos bem longe da solidão). Tropa avante numa guerra onde não há feridos nem derrotados.



Pessoal, soube do Concurso da Stella McCartney no blog amigo da Mariana, Mãe-da-Rua. Minha filhota, que cria seres imaginários com a mesma frequência que respira, criou o RAINBOW MOUSE, corajoso ratinho que entrou na competição para estampar uma camiseta da estilista. A brincadeira tomou proporções enormes, tem saído na mídia e o incrível poder da internet nos rendeu MIL E OITOCENTOS votos (até este momento) e mais de ONZE MIL convites para participar da nossa campanha no TROPA RAINBOW MOUSE.  Estamos em primeiríssimo lugar, mas sem muita vantagem em relação ao segundo. Queria pedir a todas as pessoas que visitam este blog para se juntar ao nosso exército e colocar um pouco de Brasil nessa moda. Para votar é simples, basta acessar o link do concurso (AQUI) e clicar no botão “I LOVE IT” ( é preciso ter um conta no facebook.) É fácil, rápido e não requer cadastro. Ajudem essa mãe coruja! A votação vai até 02 de maio. Obrigada a todos que já votaram e divulgaram. xxx Nina Fiuza

terça-feira, 15 de março de 2011

Brigadeira


Mãe não tem sossego nunca, é o que garante minha avó. De fato, as crianças vão crescendo e os problemas mudam, mas não se extinguem jamais.

No começo eu tinha medo de que ela parasse de respirar repentinamente. Passava a noite em claro acompanhado a barriguinha subir e descer, colocando a mão debaixo do nariz para sentir a respiração hora ou outra. Depois veio o medo de rolar da cama, medo das quinas, medo das gavetas e das tomadas desprotegidas. Tão logo passaram esses temores, chegou o medo da distância, medo da mordida dos colegas, medo da professora desinformada. 

Hoje minha filha tem seis anos, imunidade e equilíbrio perfeitos. Sabe o telefone, o endereço de casa bem como botar a boca no mundo quando algo não lhe agrada.  Em um restaurante conhecido, por exemplo, posso comer enquanto ela explora o ambiente e faz amiguinhos. Finalmente sossego? Oh, doce ilusão.

A pequena entrou na fase da menina X menino e frequentemente as brincadeiras em grupo resultam em brigas (ou “brigadeiras”, como ela mesma diz). Ao contrário do que acontecia quando ela era um bebê, já não pega tão bem eu ir defendê-la das armadilhas dos meninos, mesmo porque ela mesma nem sempre joga limpo.  Fico observando de longe, exercitando meu autocontrole sofregamente.

Da última vez ela brincava de casinha, mas bastava as cadeirinhas e mesinha de plástico estarem em seus lugares para três criaturas endiabradas virem e devastarem a arrumação. Ela fazia careta, dava uns pontapés espantando a gangue e arrumava tudo de novo, com a paciência de Jó.  Eu logo localizei a mesa dos pais dos meninos e dei umas encaradas, umas levantadas da cadeira para ver se alguém se tocava. E se eles a machucarem de verdade? Da quinta vez que o vandalismo se repetiu não pude me segurar. Quando percebi já estava no parquinho falando grosso com os meninos de igual para igual. Quase mostrei a língua, para deixar bem claro que o time das meninas era mais forte.  Ridículo pensar que a família dos meninos, três crianças, assistia meu show de camarote. 

Mais ridículo ainda foi perceber que estraguei a diversão da minha filha (agora emburrada) que no fim das contas estava adorando da brincadeira.


  Ilustração: Larry

Aproveito o post para divulgar o blog de uma grande amiga, artista, psicóloga e escritora, que ao escrever seus Devaneios Lunares fala da alma feminina como ninguém. Não deixem de conferir!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Fátima


Ele da área das ciências políticas, eu das artes literárias. Vira e mexe debatemos sobre o valor das nossas escolhas acadêmicas e ele pensa sair vitorioso quando toca no ponto “utilidade pública”. Devo concordar que compreender os governos que regem as sociedades desde sempre tem importância direta na vida de todos nós. Mas eu, cá com meus botões, me contento em segredo com o trunfo da literatura.

Pessoalmente, acredito que o grande valor da literatura é o de frear a inércia da vida moderna. Ao brincar com a linguagem, ao desautomatizar a gramática, o texto literário nos obriga a parar, olhar para o distante, e pensar. Eu conheço essa palavra, sei o que significa, mas o que é que ela está fazendo AQUI? E tentando decifrar esses porquês a mente expande, ganhamos consciência da linguagem.  E toda experiência humana perpassa a linguagem. 

Recentemente tive a oportunidade de acompanhar meu marido em uma missão estudantil pelas regiões de conflito no Oriente Médio. Foram dezoito dias, cinco países, vinte e uma cidades.  Pontos turísticos espremeram-se entre os tantos encontros que tivemos com autoridades, professores, jovens e famílias locais. Nossa “missão” era a de simplesmente ouvir o que essa gente sofrida tinha urgência para desabafar. Ouvi depoimentos que ainda latejam em meu coração. Há tanta injustiça no mundo que a gente nem desconfia.

Em Ajlun, um vilarejo jordaniano, descemos do ônibus e andamos por longos minutos sobre solo seco e sob céu azul de inverno até chegar a casa de Fátima. Colaboradora da ONG que nos proporcionou a viagem, Caminho de Abraão, Fátima nos aguardava para um almoço típico em sua modesta casa. Quando chegamos ela estava no quintal, que era na verdade uma montanha inteira. Sovava a massa do pão mais saboroso que já comi e deixou que eu experimentasse o artifício. Tentei imitá-la abrindo a massa na palma da mão cheia de puro azeite e ela ria debochada do meu inútil esforço.

Almoçamos todos no chão, como de costume árabe, um verdadeiro banquete. Para digestão, o típico chá e uma sessão de perguntas para a família de Fátima, que a essa altura estava sentada num canto, coberta pelo seu véu e nem por isso menos exuberante. Perguntei para o guia local o que as mulheres dali faziam como entretenimento. Tive que refazer a pergunta, que não pareceu muito clara ao intérprete. Pedi que nossa anfitriã respondesse, mas antes que ela terminasse a primeira frase foi logo interrompida pelo homem da família que respondeu por ela: as mulheres se divertem lendo o corão e cuidando da casa.

Em sinal de respeito, guardamos nossa indignação para a reunião de mais tarde. Todas as noites, nos reuníamos no saguão dos hotéis para refletirmos sobre as experiências vividas durante o dia. O viés das discussões era sempre político, dado ao fato de que o grupo de estudantes era do curso de Relações Internacionais. 

Ainda na casa de Fátima, enquanto o grupo elaborava mais perguntas e fumava o narguile, fiquei com aquela resposta entalada na garganta. Era inaceitável que uma mulher com a vida latente nas bochechas rosadas pudesse se divertir assim, lendo o corão e cuidando da casa. Pensei em quanta sorte eu tive quando nasci no Brasil. Mas, como é mesmo que eu me divirto? Levei um susto quando não encontrei a resposta na ponta da língua. Como foi a última vez em que me diverti no meu tempo livre? Fui ao shopping e delirei por ter encontrado a sandália dos meus sonhos com setenta por cento de desconto. Só isso? O que mais eu faço com toda a imensa liberdade ocidental de que dispoho? Pensa Marina, pensa mais. 

Só isso. 

Não sei se mais triste pela Fátima ou por mim, senti que poderia chorar o suficiente para umedecer toda aquela montanha. Quando chegou a hora de ir embora, dei um abraço longo e demorado naquela que parecia ser uma amiga de velhos tempos, conhecedora dos meu mais profundos segredos. Sem intermédio do idioma, ficamos assim, olhando uma para outra e de mãos dadas. Quando a palavra falta a emoção sai pela linguagem do corpo. 

Eu conhecia aquele brilho nos olhos, estava diante de uma mulher exatamente como eu, tive certeza. Mas o que ela fazia ali, com aquelas roupas, naquele quase deserto? Fui obrigada a parar, olhar para o distante, e pensar. Pensar as minhas roupas, pensar a minha casa, pensar a minha vida. Pensar que “felicidade” é uma palavra misteriosa. Pensar na irmandade malcriada que é a humanidade. Pensar em Deus. 

Fátima foi minha encantadora palavra poética. 



domingo, 16 de janeiro de 2011

Fotografias


Ir a Portugal foi um sonho carinhosamente cultivado durante alguns anos da minha vida. Era já com familiaridade que eu me imaginava passeando pelas ruas de Lisboa. Emocionava-me a cada leitura de Pessoa ou Camões, cheia de estranha cumplicidade. 

Finalmente pisar em terras lusitanas foi algo maravilhoso. Consegui segurar o choro até me ver diante do Tejo, que transbordou em mim. Chorei na Rua da Saudade, ouvindo fado e até comendo um pastelzinho de Santa Clara. De tão sonhado que era e para crer que era real,  precisei beber o Tejo, alisar os azulejos, beijar as estátuas. Sim, tudo era inesquecível, mas só para garantir tirei quantas fotos pude. 

Já em Madri, horas antes de voltar ao Brasil tive minha câmera roubada, fato que rendeu infinitas lágrimas e uma antipatia crônica da capital espanhola. Consolei-me pensando que o que eu vi e experimentei em Portugal ninguém jamais poderia roubar de mim. 

Um ano e meio depois me espanto quando vasculho o cofre da memória e encontro só uns restos de ruas, umas poucas notas de fado,  um gostinho doce quase aguado. Para falar a verdade, se é que a verdade existe, às vezes nem sei mais qual memória foi vivida e qual foi sonhada. Será que se tivesse as fotos num álbum da estante eu lembraria? Duvido. 

Duvido porque quando folheio os álbuns da estante reconheço-me apenas como quem se reconhece numa personagem de romance. 

Neste imenso quarto de sonhos e memórias onde brotam e se dissolvem pessoas e lugares a todo instante, mora também a pergunta: em que se resume a vida?

Nos sonhos tão fortemente sonhados ou nos sonhos realizados?
Num mosaico de passado?
No presente sempre fugidio?
Na iminência do futuro?

Disso eu ainda não sei, mas já posso garantir: tudo vale a pena, se a alma não é pequena.


Em memória do meu avô Hugo, que partiu sem lembrar e teve a maior de todas as almas.