Um bebê está adormecido dentro de um carrinho de passeio, à sombra daquele toldo protetor. Há dois paninhos fofos servindo de apoio para seus bracinhos e outro apoiando seu pescocinho. Uma das mãozinhas macias descansa sobre a barriguinha do bebê que se move lentamente pela respiração. Todos os músculos estão visivelmente relaxados e seus olhinhos e bocas selados de tal forma que aquela imagem estática parece irreal. Pelo menos noventa por cento das pessoas que se viram diante de um bebê mergulhado em tal serenidade soltaram um suspiro cheio de inveja e pensaram consigo mesmo: “Ah, como eu queria ser criança”.
A infância é lembrada pelos adultos como uma época mágica e livre de problemas quaisquer. Afinal, crianças não têm noção dos perigos da vida. Não sabem sequer que a vida é algo que está em jogo, constantemente. Aquele bebê adormecido no carrinho carrega em si toda a paz do mundo porque ignora a maldade existente nele.
Em defesa das crianças, venho lembrar a todos que ser criança não é assim tão fácil.
A criança vive com um pé na fantasia e outro na realidade. Enquanto nós espantamos nossos medos noturnos trancando a porta com a tetra chave, o pequeno tem que lidar com a certeza da presença dos seres mais horríveis debaixo da própria cama. O pai cheio de insensibilidade logo diz “monstro não existe”, fecha a porta e vai dormir. Não percebe, este pai, que monstro e fantasma são seres tão ameaçadores como qualquer bandido dessa nossa dimensão palpável. E justamente por serem fantásticos, podem se esconder em qualquer sombra.
Então a criança mantém os olhos arregalados, mesmo no escuro que a ela foi imposto, sempre alerta. Ela tenta lidar com a presença do perigo iminente, estremecendo dos cabelos às pontas do pé cada vez que um vento sopra e um estalo da noite acontece. Quando o medo se torna insuportável ela decide recorrer ao porto seguro do leito dos pais. Só de se imaginar entre as duas pessoas mais poderosas e amadas do seu universo, a criança já se enche de acalentosa esperança.
Ao colocar os pezinhos no chão, seu corpinho recebe doses e mais doses de adrenalina. Mesmo que o quarto dos pais seja logo ao lado, não é nada fácil se expor à solidão do corredor que comunica o seu quartinho assombrado a uma casa muito maior e mais cheia de perigos. Nas pontas do pé para não acordar nenhum fantasma, a criança chega, finalmente, ao quarto dos pais. A tensão continua e ela permanece ali, à beira da cama, sem saber como abordar seus salvadores. Será que ela deveria deitar ali mesmo no cantinho da cama, sem barulho? Será que deveria colocar a mãozinha no ombro descoberto da mãe? Será? Será? E indiferente a todo esse sofrimento, os pais acordam e ah...quanta injustiça não dizem àquele pequeno aventureiro.
Lembrar da infância com os olhos do adulto não é, de fato, lembrar da infância.