sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Papo de doido

A maternidade é um estado de loucura. De acordo com o novo pai dos burros, Sr. Wikipédia,  loucura é uma "condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados anormais pela sociedade". Pois bem, a condição materna nos tira dos trilhos socialmente aceitáveis. Fato. 

Não bastasse todas as mudanças físicas - o quadril que alarga, os peitos que caem, a pele que cede - a gente fica meio tãn-tãn da cabeça. É como se passássemos a obedecer uma nova lógica de pensamento, algo cem por cento comprometido com a função de mãe.

Outro dia transbordei minha xícara de café enquanto adicionava açúcar contando a cada colherada: "Trinta. Sessenta. Noventa. Cento e vinte. Cento e cinquenta. Cento e oitenta. Duzentos e dez". Exatamente a medida para a mamadeira do meu caçula. 

No restaurante, depois da pizza, meu marido pediu um creme de papaia de sobremesa e eu automaticamente procurei uma fralda suja para trocar. Porque (né?) assim que seu bebê entra na fase das frutinhas cocô passa a cheirar mamão e vice-versa. 

É uma sintonia louca... um estado de alerta que não desliga nem na hora de dormir. O que não significa que  a gente não durma um sono pesado. A canseira é tanta que dois segundos depois de cair na cama você já está em estado alfa de relaxamento. Podem usar uma britadeira no andar de cima que você não acorda. Mas basta seu filho dar uma suspirada no quarto dele e você já está de pé. 

Sei que essa insanidade toda exaure. Uma amiga, de tão feliz que estava porque o filho finalmente havia dormido, me fez um interurbano só para dizer - toda satisfeita - que ia fazer um cocô bem tranquila. Escatologias, aliás, são recorrentes na fala materna. Coisa de doido.

Depois de dez anos sintonizada vinha sentindo uma necessidade extrema de mudar de estação, de brincar de normal em algum lugar. Longe, de preferência. Longe o suficiente para meu cérebro não liberar doses de adrenalina toda vez que ouvisse um choro de criança. 

Aproveito uma oportunidade e vou à agência de turismo. Destino decidido, quero esse voo aqui. "Mas senhora", diz a agente, "por cem dólares você pode fazer um voo direto que reduz sete horas do tempo total da viagem". Não, minha querida, você não está entendendo. Me dê uma escala em Sidney, se possível.

Imagine que "céu" alguém chegar e te dizer: senta aí e fica. Bonitinha. Sentadinha. Pode ouvir uma música, pode escolher um filme (o último lançamento que você viu no cinema provavelmente estará na sessão dos clássicos), pode jogar tetris e pode dormir. A gente traz sua comida, sua aguinha e uma venda de olhos, se precisar. 

Durante o voo a coisa mais séria que vão exigir de você é uma decisão entre "coke" e "orange juice". Algo absolutamente razoável para uma mente insana. 



sábado, 8 de fevereiro de 2014

Férias de verdade

Todo fim de ano eu quase cruzo aquela linha tênue entre a sanidade e a loucura. Depois de um ano inteiro de compromisso sucedendo compromisso e um relógio rápido no ponteiro, entro na inércia da tensão. Mesmo deitada para dormir sinto o coração acelerado, com uma sensação crônica de que tenho algo para fazer - e com urgência! A isso se junta a obrigação dos presentes de natal, as provas finais das crianças, o décimo terceiro para acertar, os exames de rotina para fazer e aquela arrumação geral nos armários que jurei não postergar outra vez. Não fosse o calendário estar por uma folha e o ano novo gritando sua promessa de recomeço, eu endoidava na certa. 

Finalmente de férias, parto com marido e filhos para Minas Gerais, onde mora nossa família. Ufa! Hora de relaxar... Mas não sem antes visitar todos os tios, avós, primos de primeiro, segundo e terceiro grau e agregados. Os meus e os dele. Antes mesmo de abrir os olhos pela manhã já há uma trupe de avós ansiosos pela presença dos netos, aguardando a nossa anunciação dos planos do dia. É preciso fazer escalas justas entre a casa de um e de outro, intercalando com os almoços e cafés com os amigos que a gente queria tanto encontrar. Uma semana e já começo a achar a antiga rotina do ano quase um resort. Estou exausta.

Uma vez cumprido todos os deveres da espécie sócius-familiris, arrumo novamente minhas malas e vou, com as crias, para o apartamento no interior de São Paulo. Cidade tranquila de águas termais, com uma praça linda onde se compra pipoca e o melhor bolo de milho que já existiu. Meia duzia de lojinhas, dois bons restaurantes e só. No prédio, onde além do meu pequeno clã estavam minha mãe e minha avó, uma piscina impecavelmente limpa e de água aquecida. Em outras palavras: o paraíso.

Guardei o relógio no fundo da mala e me dei conta de ter esquecido - involuntariamente, juro! - meu carregador de celular em Minas. Quase incomunicável vou me esquecendo que o mundo é grande e habitado por muita gente. Meu universo vai se reduzindo aos poucos metros que separam nosso apartamento da piscina. Acordo todos os dias para nadar e volto para dormir. Não por obrigação, como acontece quando se paga caro pela diária de um hotel e nos sentimos obrigados a usufruir da área de lazer mesmo preferindo ficar na cama lendo um livro - mas como se essa fosse minha natureza animal, um ritual diário que cumpro inconscientemente.  

Entre minha avó, minha mãe e eu, encontro a simbiose perfeita. Convivemos com poucas palavras porque a maior parte da comunicação é adivinhada. Não há a necessidade de explicar nada, porque tudo já é sabido entre a gente. Não é necessário pisar em ovos nem medir palavras, ainda que o assunto seja sério. Nossa relação é tão sólida que permite divergências à vontade. Nossa afinidade é corporal, coisa de quem já habitou o útero uma da outra. Como planetas em órbita, nos movimentamos em perfeita harmonia. Uma cozinha, a outra lava as louças, a outra arruma as camas... sem que nada precise ser combinado. Somos a própria combinação.

Vinte e um dia depois é hora de voltar. Hora de encontrar as roupas já acomodadas nas gavetas e estiradas no varal. Hora de esquecer do biquini e de dizer até logo. O privilégio de se viver tanto amor cobra caro na hora da despedida. Se não for até as próximas férias, digo que nos vemos "do lado de lá". Humor negro que a gente sempre usa para abrandar o medo que temos de nos separar definitivamente. Volto pra casa bronzeada, vivendo os dias mais pelo sol e pela lua que pelos números que o relógio mostra. Coração tranquilo pronto para o tal recomeço, depois dessas férias de verdade.