segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Toc, toc, toc

Há assuntos que rendem textos excelentes, ou como diria a sabedoria popular, dão pano para manga. Imaginem, por exemplo, como seria interessante uma crônica escrita no momento da própria morte? É uma pena que nesta ocasião estaremos ocupados demais morrendo, mas seria maravilhoso se pudéssemos dar um pause só pra deixar um post no blog contanto como é bater as botas. Será que a gente entende tudo quando morre? Bom, quando eu descobrir posso até tentar dar uma de Brás Cubas e mandar minhas memórias póstumas de onde quer que eu esteja. Aliás, feliz mesmo com a tecnologia eu vou ficar quando conseguirem esse tipo de conexão. Imaginem que delícia seria mandar um e-mail para o além: “Oi bisa, está tudo bem por aí?” Mas tem coisas que a gente prefere ignorar. Se eu quisesse mesmo escrever um texto sobre a morte poderia muito bem inventar um com a minha criatividade, como venho fazendo tantas vezes. Não me atreveria, porém, falar da minha própria morte. Vai que ela gosta da atenção e vem me conhecer de corpo e alma? Pois que tudo continue em segredo e fique por isso mesmo.



quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Injustiça

Apesar de sábado, acordei cedo porque queria terminar de ler meu livro em paz, antes que a casa acordasse. É certo que com o baile à noite eu deveria dormir um pouco mais. Afinal, já estou bem desacostumada com noites badaladas. Acordei assim mesmo.

Um cafezinho formaria um bom par com a leitura, mas qual foi meu desgosto quando chego na cozinha e me lembro pelo cenário encontrado da louça esquecida da noite anterior. Livro e café abandonados, bucha e detergente entram em ação.

O barulho dos pratos e copos desperta a filha, que logo pede sua mamadeira. Criança alimentada, resolvo trocar de roupa e ir ao supermercado (já que o plano de ler em paz foi por pia abaixo).

Bem humorada, escolho tudo para levar mais por menos, economizando bem o dinheiro do marido. Caixa, casa, cozinha, avental verde da vovó. Depois de uma semana estressante a família bem que merece um almoço especial feito com muito carinho.

Dessa vez, para não ter desgosto, lavo tudo antes mesmo de colocar a comida na mesa. Comemos todos com muita satisfação: eles pela comida, eu por agradá-los. O papo se estende e quando dou por mim já são três da tarde.

Tiro a mesa, lavo o que sujamos (terceira leva de louças lavadas) e finalmente pego a maleta de esmaltes para fazer a unha. Quero ser a esposa mais linda entre os colegas de trabalho do marido que lá estarão.

Filha rouba um esmalte para imitar a mãe. Esta borra as unhas tentando limpar as daquela. São dezessete horas no relógio.

Unhas finalmente feitas, começo a procurar os vestidos de festa no fundo do armário. Vê-los tão lindos me anima. Escolho um e vou passá-lo.

Antes da babá chegar dou banho na filha e esquento seu jantar. Marido entra no banho antes de mim.

Dezenove horas entro no banho, saio para atender a porta. Babá chegou. Agora com alguma folga, vibro de prazeres por poder me dedicar à maquiagem e ao cabelo.

Marido chega com camisa amarrotada para passar. Deixo a chapinha pela metade e vou de encontro com seu primo, o ferro elétrico. Alguns minutos depois volto ao banheiro e sou avisada de que em vinte minutos estaremos saindo para a festa. Ele, obviamente, está descansado, engomado e cheiroso.

Não fosse a minha própria imagem estar em jogo, iria assim mesmo: descabelada e desmaquiada, só para encher o marido de vergonha.

Quando o interfone toca estou a cinco minutos de estar razoavelmente pronta. Se a filha não tivesse percebido a saída iminente dos pais e começado um berreiro de partir-corações, diria até que teria chegado no carro da carona sem suspeitas de atraso.

No elevador, ainda escutando os soluços da filha e segurando as próprias lágrimas para não borrar a maquiagem, lembro do perfume que deixei de passar. E eu achando que seria uma daquelas noites de Cinderela, das cinzas para o luxo. Penso no meu livro e na promessa do café e sinto saudades. Talvez fosse melhor nem ir.

Entro no carro e escuto as desculpas dadas à carona pelo companheiro: “Você sabe como as mulheres são enroladas para aprontar.”



quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Papo Sério

Que o mundo é cheio de hipocrisia a gente já sabe. Mas tem hora que não dá para engolir.


Outro dia estava na praça observando uma conversa entre duas mães indignadas com o caso Richthofen. Sim, aquele da menina que ajudou o namorado a assassinar os próprios pais à paulada. Realmente foi caso para muita indignação.


Passado algum tempo uma das mães resolveu que estava tarde e gritou para o filho sair da areia para ir embora. Foram uma... duas... três vezes. Antes da quarta ela se levantou e sacou um grande tapa no bumbum da criança, que foi levada pelo braço parque afora.


Sei que a mesma maioria que fica perplexa diante da violência na televisão ainda, em pleno século XXI, defende a prática do “tapinha” na educação dos filhos. Tirando casos extremos que realmente não perdoam (e destes prefiro nem mencionar), esses pais explicam-se: “O tapinha não dói, é só simbólico”. Símbolo de que limites foram ultrapassados, dizem eles.


Agora me expliquem, senhores pais, se se trata de um elemento meramente simbólico, por que escolher justamente um tapa para representá-lo? Por que não escolher uma palavra, por exemplo? As palavras têm poderes imagináveis, acreditem! Amestradores de filhos parecem esquecer que crianças são seres também racionais. Ao contrário dos animais de circo, crianças não precisam de chicotes para entenderem o que devem ou não fazer. Usemos o dom que foi dado somente à nossa espécie: o dom da palavra.


Ao agredir uma criança simbolicamente a única idéia que uma mãe ou um pai consegue transmitir, ao meu ver, é: “eu sou maior e mais forte que você, um ser pequeno e indefeso. Se você não me obedece, você sofre (mesmo que simbolicamente), ponto final”. Até, é claro, a criança se tornar maior e mais forte que os pais.


Sei que muitas mães e pais defensores do tapinha devem estar magoados com uma acusação assim. Afinal, ninguém tinha a intenção de humilhar nem machucar o filho, não é mesmo? “É só simbólico”.


Pois parem para pensar: um tapa, mesmo sem dor, é um símbolo de violência contra uma pessoa que se ama. Escolham um símbolo menos contraditório, se o que vocês realmente querem é EDUCAR seus filhos.



terça-feira, 11 de agosto de 2009

Gafes Domésticas II : A Panela de Pressão


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Já havia se passado dois meses desde o casamento e a caixa da panela de pressão continuava intocada. Só foi depois de constatar que os níveis de ferro no sangue da minha família estavam baixíssimos que eu resolvi enfrentar a fera e fazer feijão.

Power. Login. Senha. Firefox. Google. Receitas de feijão.

Nenhum mistério. Agora só faltava pegar a caixa no fundo da prateleira mais alta do armário, abri-la, ler as instruções e mãos à obra. Eu disse manual de instruções? Pois bem, a panela não vem com manual de instruções. Essa empresa deveria ser processada por colocar tantos lares em risco. É como comprar uma arma de fogo sem instruções, ou será que essa é mais uma daquelas coisas que a gente deveria nascer sabendo?

Telefone. 031... Mami não atende.
035... Telefone fora do gancho na vovó.
031... Sogra. Finalmente alguém atendeu. Ela, horrorizada pela minha coragem, disse nunca ter lidado com uma panela de pressão. Desejou-me boa sorte e desapareceu da minha casa com um fone no gancho.

Oh meu Deus... e agora? Brasileira, continuei:
031... BINGO! Acabei ligando para a mãe de uma amiga que por sorte já era faixa preta em questão de panela de pressão. Passou-me as instruções que eu repeti várias vezes para não esquecer: água até o preguinho, borrachinha no lugar, fechar bem fechadinho e pronto.

Realmente não tinha grandes mistérios. Tirando, é claro, a parte de colocar a tampa dentro da panela, que me custou uns quinze minutos e alguns palavrões. Depois de muita luta para tentar fazer a tampa entrar num buraco menor que ela, puft, ela entrou sem que eu fizesse força. Parecia até piada e deu quase para ouvir a panela rindo da minha cara.

Superado o obstáculo da tampa, senti-me confiante e pronta para o desafio. Segui as instruções (preguinho-borrachinha-fechadinho) com muita calma e assim que eu liguei o fogo, para meu alívio, nada aconteceu.

E nada continuou acontecendo pelos próximos minutos. Foi então que o terror começou. Eu parecia ter um trem a vapor dentro da cozinha. A panela tremia e soltava fumaça, rancorosa e pronta para explodir em cima de quem quer que cruzasse seu caminho.

Minha vontade era de deixá-la em paz e nunca mais entrar na cozinha até que o gás acabasse ou coisa parecida. Mas de acordo com o www.tudogostoso.com.br, já era hora de desligar o fogo e eu simplesmente teria que ser forte e equilibrada o suficiente para resolver este assunto.

Só por precaução, levei minha filha para o quarto dela e liguei um desenho para segurá-la por lá. Olhei para ela, tão linda, e senti meu queixo tremer. Dei um beijo ligeiro na cabeça dela e aproveitei para sentir o cheiro do seu cabelo. Sai antes que ela percebesse que uma tragédia estava preste a acontecer.

Abri o escritório do meu marido, vi todas as suas coisas e senti um amor profundo por ele.

No caminho de volta, peguei o almofadão da sala, respirei fundo e entrei na cozinha com meu escudo fofo em direção ao fogão. Agora era a hora.

Minha testa suava e meu corpo tremia de adrenalina, acompanhando o tremor da panela que estava ainda mais escandalosa, bufando de raiva. A essa altura o pobre feijão lá dentro já devia ter se dissolvido inteiro. Prendi a respiração, estiquei minha mão e depois, em câmera lenta, meus dedos (encapados com luva de borracha). Apertei meus olhos consciente de que qualquer mosca que passasse por ali seria o suficiente para a panela perder sua paciência. Em fração de segundos eu não só tinha desligado o fogo como já estava do lado de fora da cozinha, jogada no chão do corredor, escondida atrás do almofadão.

Num gesto de quem quer fazer a pazes, a panela foi baixando o tom, parando de rebolar, aquietando, até soltar um último suspiro baixinho e dormir.

Eu mal podia acreditar. Eu tinha vencido a batalha! Eu era a rainha da cozinha e as panelas eram todas minhas súditas.

Corri para os braços da minha filha, ainda assistindo desenho e a enchi de beijos. Saí pulando pela casa me sentindo mais poderosa do que nunca.

Naquele dia almoçamos caldo de feijão.
Desde então os níveis de ferro da família permanecem espetaculares.



sábado, 8 de agosto de 2009

Pais de coração


Quando se apaixonou por mim, eu já era mãe. Aliás, não sei nem como ele me enxergou debaixo deste grande papel que é a maternidade. Afinal, nem eu mesma conseguia me encontrar. Mas encontrou, e me lembrou de quem eu era. Encantou-se pela mulher, sem desrespeitar a mãe que eu adorava ser. Teve orgulho dos meus cuidados como se o filho que eu embalava fosse sempre seu. Soube desde o princípio que eu nunca seria inteiramente sua. Topou a divisão e acabou transformando-a em soma. Soma que quer virar multiplicação.

Conj, desejo que você acorde sabendo que este é o seu dia. Obrigada por caminhar junto comigo.



Feliz dia dos pais também para o meu Papi querido Pedro, meu pai de coração Zé Cláudio e ao meu avô Hugo, que também foi meu pai tantas vezes.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Quinta-feira


Sempre tive pavor à feira. Desde pequena, quando minha mãe me carregava dentro do carrinho de compras e me prometia qualquer guloseima que tivesse lá, que definitivamente não eram muitas, eu odiava o programa. Feiras e afins eram sempre feias, sujas, cheias de tomate podre no chão e folha de alface pisoteada.
Para tentar me entreter, mamãe me concedia a honra de escolher batatas ou cenouras. Arrasada eu ia até a banca, pegava algum saquinho (desses que sempre estão molhados, sabe-se lá porque) e começava a escolher os legumes com as pontinhas dos dedos com medo de que alguma larva ou inseto qualquer viesse me surpreender. Além do que era sempre difícil saber se estava escolhendo certo: ora o legume tinha que ser mais durinho, ora mais molinho... e eu simplesmente não entendia nada daquilo e fazia qualquer coisa para esperar dentro do carro.
Os anos se passaram e logo na primeira semana de casada fui despertada às cinco da manhã com uma barulhada em baixo da janela do meu novo apartamento. Indignada com esses paulistas que não se cansam de trabalhar, abri a janela e me deparei com uma longa e colorida feira se esticando por toda a minha rua.
Engajada em ser boa mãe e esposa, resolvi descer para comprar algumas coisas saudáveis para o almoço. Foi então que tudo mudou.
É completamente diferente fazer a feira quando é você quem vai lavar, descascar, preparar e comer os legumes e verduras. De repente eu percebi aquele cheirinho de fruta fresca que minha mãe tanto gostava. Fui andando e comprando um brócoli ninja aqui, uma banana nanica acolá e quando percebi já estava com os braços gangrenados de tanta sacola. Sorte a minha de morar a apenas alguns passinhos dali. Voltei para casa, recarreguei o meu bolso como quem recarrega uma espingarda e voltei para a caça.
Digo “caça” porque não é nada fácil se dar bem na feira. Você tem que farejar o melhor bando, localizar a melhor presa e correr antes que outra caçadora chegue na sua frente. Neste processo muitos pés sujos de tomate são pisados, ombros chocados... mas tudo vale na lei da feira.
Lá pelas dez da manhã o sol com a ajuda das panelas de óleo das barraquinhas de pastel fazem das lonas coloridas uma verdadeira estufa. É aquele calor insuportável, é batata rolando no chão, é gente se esbarrando, é feirante aos berros cantando seus jingles “Pra ficar legal, a bacia é um real”... Se tivesse areia e cerveja juro que daria pra confundir com um show de axé.