quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O tempo de uma gravidez

                Nove meses. Nove meses é o tempo necessário para gerar um ser humano. Há bebês que nascem um pouco antes e casos raros de outros preguiçosos que nascem uns diazinhos depois. Mas geralmente é isso: nove meses. Nove meses de trabalho ardiloso do corpo materno, nove meses de infinitas e incansáveis multiplicações celulares, nove meses da mais maravilhosa alquimia corpórea de que somos capazes. Fato. Fato do qual eu discordo plenamente.

                Tem gente que já nasce grávida. Lá pelos cinco anos de idade, nos dias de inverno, eu deitava todas as minhas bonecas Barbie nas gavetas do meu armário para aquecê-las entre as roupas dobradas. Já estava grávida, acredito. Grávida de maternidade. Não digo vocação para maternidade, digo gravidez mesmo. Minha biologia já me programava para cuidados futuros e certeiros.  

                Anos depois tive uma zique-zira, uma repentina e incontrolável vontade de arrumar a casa. Doei um terço dos meus apegos materiais e queimei o outro. Comprei uma lata de tinta e pintei, sozinha, as paredes do quarto. Alguns meses depois eu (achei que) começava a pensar em ter outro filho. Mas se fosse observada por biólogos para um programa do Discovery Channel, eles certamente já cantariam a pedra no meu primeiro dia de arrumação doméstica. “A fêmea atingiu sua maturidade gestacional e começa a arrumar o ninho. A época de concepção se aproxima.”

                Outro dia fui encontrar meu marido num happy hour e levei meus dois filhotes debaixo do braço. Sentei de frente para uma moça casada e sem filhos, que discursava muito animada sobre assuntos profissionais. Enquanto isso, meu bebê lançava olhares e sorrisos para ela, puro charme gratuito. A moça simplesmente não percebia. Estava absolutamente alheia àquela pequena presença de gostosura total. “Essa não está grávida”, logo pensei. Já meu  marido, com um sorriso indisfarçável na cabeceira da mesa: grávido. Talvez ainda grávido do próprio filho que admirava.

                Existem também aquelas pessoas que se emocionam com comerciais de fraldas descartáveis, namoram roupas pequeniníssimas e se derretem com qualquer bebê que cruze o seu caminho. Gente que estufa a barriga na frente do espelho. Gente que sofre mensalmente com a menstruação que veio. Ou seja, gente grávida. Em alguns casos, trata-se de gravidez eterna, aquela que nunca se concretizará em forma de bebê, só Deus sabe por quê.

                Mês passado uma amiga veio me comentar com tom de novidade que estava grávida. Como se eu não tivesse flagrado, quase um ano antes, os sorrisos dela para o meu bebê recém-nascido. Como se eu não fosse testemunha da sua luta para emagrecer, para preparar o primeiro lar daquele novo ser.  Outra amiga rodou a baiana e literalmente fechou as portas do seu bem sucedido negócio. Alegou precisar de mais tempo para a família e para si mesma. Teste positivo para gravidez, tenho certeza. A outra passou uma hora explicando como mudar as paredes de lugar caso precise reformar o seu novo apartamento para acrescentar um cômodo, caso engravide ano que vem. Mas que bobagem. Ela já está grávida, obviamente!


                Porque nossos passos nunca são despropositados. Porque nosso coração pulsa mais que sangue a cada batida. Porque nossas revoluções não se limitam ao que o ultra-som detecta.



Para Miriam, Marina e Emanuelle.