quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Crianças

Em vez de comemorar os anos de um Jesus cada vez mais velho, o Natal celebra sempre o seu nascimento. Eternamente em sua manjedoura, Jesus recém-nascido tem olhinhos alegres e sem marcas de sofrimento. O sempre-menino Jesus é pura esperança, é só ternura, é todo honestidade. Cada ano ele nasce nos presépios por toda parte espalhando aquela alegria que só meninos como ele conseguem dar. Jesus só podia mesmo ser criança.




Ilustração: Donald Zolan

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Muito na cabeça, nada na barriga.

Chega de ser diferente. A próxima gravidez será o mais careta possível. Vou começar o pré-natal antes mesmo da concepção, calcular horário da ovulação, escolher o signo do bebê e todas essas coisas. Nada de sustos (ou seria pânico?), nada de pessoas desmaiando com a notícia ao telefone, nada de surpresas. E eu bem sei que a hora certa ainda não chegou. Falta sair do aluguel, falta terminar o mestrado, falta uma babá de confiança, falta o salário aumentar, falta isso e todos aquilos. E porque não sou mais desavisada, previno.

Mas aí passa um dia, passa outro, e outro. Uma semana inteirinha, duas... e quando chega na terceira eu não consigo mais evitar que minha mente criativa entre em ação. Rafael ou Daniel? Quanto está custando um carrinho de passeio? Www.babiesrus.com. Tenho que passar o escritório para o quarto de empregada. Minha sogra vai desmaiar (de alegria)! Opa, estou um pouco enjoada... Que sutiã apertado! Rafael é melhor.

Se em outras épocas eu postergava ao máximo um exame de farmácia por motivos de desespero total, dessa vez fiquei bem quietinha, só para poder curtir minha quase gravidez junto com meus pensamentos. E quando não pude mais me iludir, passei o dia debaixo das cobertas, chorando de saudades.

Papai do céu, depois de nossos tantos encontros você deve estar me achando uma maluca. Não sou bipolar. Mas se você resolver me dar uma surpresa como aquela de cinco anos atrás, eu pro-meto que dessa vez não brigo com você nem uma vezinha.



* Ilustração: Ana Oliveira
 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Vícios da maioridade


Mesmo antes de experimentá-la eu já a conhecia, assim, de ouvir falar mesmo. Minha mãe e meu pai sempre me alertaram sobre ela; meus avós, alguns amigos e até mesmo o padre na Igreja também tentaram abrir meus olhos. Mas não teve jeito, ela me pegou.

Não lembro com detalhes o primeiro contato direto que tive com a coisa... só sei que com o passar dos dias ela foi me envolvendo, tomando conta dos meus pensamentos, da minha rotina, da minha vida. Antes mesmo de o sol aparecer eu já estou em pé, com o coração acelerado na pressa de sair logo pelas ruas em busca dela. O desespero é tanto que às vezes deixo até de me alimentar, de pentear o cabelo ou de me vestir decentemente. Eu juro que por diversas vezes eu tentei, mas tentei de verdade, ficar sossegada na cama. Apertava o olho bem forte pra ver se conseguia dormir, mas ela vinha como uma voz dentro da minha cabeça, gritando pra que eu acordasse.

Já pedi ajuda aos amigos, que sempre estiveram de braços abertos pra tentar me livrar desse vício. Eles de vez em quando me buscam para um passeio, para um chope... mas em poucos minutos eu já fico inquieta, olhando pro relógio e arrumando alguma desculpa pra voltar e me entregar a ela de novo.

Em uma das minhas últimas tentativas de me livrar de uma vez por todas da maldita, fui passar uns tempos na casa dos meus avós. Confesso que a vida pacata do interiorano é contagiante; com alguns dias já estava bem mais tranqüila e desligada de qualquer coisa. Finalmente paz.

Mas a danada parece que ganhou vida própria e veio correndo atrás de mim. Quando me achou estava furiosa, avassaladora. Agora estou aqui, sentindo-a pulsar nas minhas veias, me consumindo solitária nestas quatro paredes. Mas eu tenho fé de que não vou chegar ao fundo do poço, de que essa perdição não vai me consumir.

Definitivamente a responsabilidade é uma droga!



Texto escrito dia 29 de julho de 2005, em Belo Horizonte.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Antigamente...


Caminhando para a casa dos trinta me vejo cercada de amigos com síndrome de velhice. Os papos sempre começam com aquele “no meu tempo...” e nem se dão conta que, neste tempo aí que eles dizem ser deles, a mesma Xuxa de hoje já era apresentadora de televisão. O que tem me irritado, porém, não é a confusão temporal em que eles se metem, e sim algumas críticas que fazem às crianças de hoje. E é em defesa delas, mais uma vez, que me pronuncio.

Estes velhos falam com o ar da experiência: “No meu  tempo a gente brincava na rua, ficava super feliz com um presentinho que fosse, não passava tempo na televisão nem no computador. No meu tempo a gente inventava brincadeira, não era como os brinquedos de hoje que já fazem tudo sozinhos. No meu tempo... bla, ble, bli, blo e blu”.

Pois me permitam esclarecer algumas coisas:
A infância de hoje é diferente, sim, mas isto está longe de ser culpa das crianças. Digo isso porque nunca vi uma criança sair de casa sozinha e ir à loja de brinquedos do shopping, sacar seu próprio mini cartão de crédito e comprar um milhão de brinquedos de seu gosto. Também desconheço um inventor mirim de brinquedos de alta tecnologia. Aliás, os grandes gênios da indústria de brinquedos eletrônicos são estes mesmos que, trinta anos atrás, passavam horas (sim, senhor) na frente da televisão jogando Atari. E se as crianças de hoje não sabem inventar mais brincadeiras (o que eu muito duvido), não se trata de uma mudança da genética: é só porque elas não têm mais pais para lerem os contos-de-fada todas às noites antes de dormir.

Se as crianças de hoje são diferentes, é porque já não se fazem mais adultos como antigamente.



*Ilustração: Donald Zolan