domingo, 28 de novembro de 2010

Beatle-epifania


Não assistir a um show dos Beatles foi uma frustração que acompanhou toda a minha existência, dado ao fato de ter nascido três anos após a morte de John Lennon.  Era sempre com nostalgia que eu assistia aos shows do quarteto no vídeo ou pela internet, sem imaginar que um dia eu ainda ocuparia o lugar de uma daquelas beatlemaníacas ensandecidas.  Pelo menos em parte, foi o que aconteceu.

E nem no sétimo dia após este acontecimento a emoção descansou. Ainda agora meu coração se acelera como se Paul fosse ressurgir em um palco imaginário e me emocionar,  mais uma vez, com uma de suas canções históricas. Quanta prepotência em usar o pronome em primeira pessoa. Paul não me emocionou. Paul emocionou a dezenas de milhares de pessoas. Paul emocionou ao mundo inteiro.

Parte da emoção se deve ao estádio lotado. Impossível seria não se afetar pela energia de mais de 60 mil pessoas reunidas em estado de alegria. Gente de todas as idades e de todos os lugares sorriam umas para as outras, com a cumplicidade de irmãos que dividem genes em comum.  Bater palmas em conjunto, formar um gigantesco coral, jogar bexigas brancas para o alto, formar “olas”...  isso tudo foi um espetáculo à parte. Coisa bonita de se ver.

Outra parte da emoção se deve à gigantesca indústria criadora do Paul-ícone.  Estar a poucos metros de distância Paul foi uma experiência surreal. Apesar de ter quadros e uma infinidade de discos com o seu rosto pela minha casa, teria sido menos assustador se visse naquele palco um ser de 3 metros de altura, com cauda de dragão, chifres ou coisa assim. Mas não. A grandiosa figura de Sir. Paul McCartney se personifica assim, num homem comum de charmosas sobrancelhas arcadas. 

É de outra emoção, porém, que venho tentar registrar. Algo assombroso vivi naquela noite de domingo. Conversando com outras pessoas que estiveram lá na mesma ocasião, percebo que o que senti também sentiram muitos deles, mesmo que em momentos diversos.  O que viram meus olhos foi simultâneo; o que transcreverei, sucessivo, pois a linguagem o é. Algo, entretanto, registrarei.

Pelos meados do show, que durou três maravilhosas horas, um único foco de luz recai sobre Paul McCartney e seu violão.  Era “Blackbird”, sem direito à banda ou à pirotecnia.  Como que para recuperar o fôlego, deitei minha cabeça sobre o ombro do meu marido e fechei meus olhos. Neste gigantesco instante vi milhões de imagens simultâneas. 

Vi meu marido e eu adolescentes, vestidos em nossos uniformes  brincando de “forca” com os títulos das músicas dos Beatles no colégio. Vi nossa filha com baquetas na mão acompanhando “Band on the Run” no sofá-bateria. Vi nossos almoços de domingo, quando paramos de mastigar para cantar o “baby” de Michael Jackson em “Say, say, say”. Vi as ruas de Barcelona e Guilherme e eu cantando  interminavelmente “The Girl is mine”. Vi-me criança, sacudindo a cabeça ao som de “Twist-and-shout” sobre o colchão com minhas amigas enquanto o sol amanhecia do lado de fora do quarto. Vi-me deitada sobre a ardósia da nossa antiga casa, sentindo o cheiro do vinil que tocava ao meu lado. Vi meus pais, vinte anos antes, no mesmo show em terras estrangeiras. Vi discos sendo queimados em praça pública. Vi um submarino amarelo. Vi beatlemaníacas ensandecidas em preto e branco. Vi rostos chorando. Vi rostos sorrindo. Gente de todos os lugares e todas as épocas.

Todas essas imagens ocupavam um mesmo ponto, sem superposição e sem transparência. Sufocada por tal visão abri os olhos e vi Paul McCartney e seu violão. Uma epifania.  

Entendi com indescritível emoção que Paul McCartney é o ponto de interseção de uma infinita rede que não cessa de crescer através dos anos e gerações, da qual eu também faço parte.

São desses poderes que a música tem... 

  
Trechos em ítalico: "O aleph" de Jorge Luis Borges.
Imagem retirada daqui

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Adorável Intruso - Parte II

O que irei contar aqui aconteceu há duas semanas, mais exatamente na tarde do dia 31 de outubro de 2010. Deitada na cama eu observava minha filha brincar com meu porta jóias. Ela vestia-se alegremente de vaidade, pulseiras, anéis e todos os colares que encontrava. Alcancei a máquina fotográfica, sempre preparada, e bati uma foto histórica. O disparo do flash coincidiu com o exato instante em que a vir-a-ser mulher apareceu, ainda que tímida, por entre os traços de criança. “A moça apareceu no rosto da menina”. Da minha menininha. 

Talvez eu tenha feito vista grossa ao anúncio da sua chegada, mas a verdade é que apesar das concordâncias perfeitas e das roupas e sapatos perdidos, enxergar uma moça ali naquele rosto que me era todo familiar foi um susto, uma revelação. Aquele esboço de mulher chegou sem pedir licença e foi alongando o nariz, inchando as maçãs e afinando em linhas retas as curvas do rosto infantil. Tudo assim, sem mais nem menos e de uma hora para outra.

E eu, que até então tinha a memória fresca do cheiro dos paninhos molhados de leite, dos seios doloridos e das roupinhas de algodão, fui arremessada para um espaço assustadoramente desconhecido. Quantas incertezas cabem no futuro de uma única pessoa?

Desde então venho imaginando que mulher será essa que se esconde e aos poucos se revela. O que fará ela e se netos um dia irá gerar. Quais pessoas ela trará para perto da minha vida. Que tipo de abraço ela me dará quando nos encontrarmos em corpos maduros. De quais assuntos conversaremos em tardes de domingo, sobre a minha cama, remexendo meu um-dia-antigo porta jóias.

 Imagem: Edward Myers


E para completar, ela não fala mais "nesde" desde hoje.
Para  Adorável Intruso (parte I) clique aqui.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Matemática da Vida


Nunca fui muito boa em matemática. Com um pouquinho mais de sinceridade eu recomeço: sempre fui péssima em matemática.
Não sei bem quando os números brigaram comigo. Acho que sempre estivemos um pouco de mal um com o outro. Desconfio até que seja antipatia de nascença mesmo, alguma coisa a ver com cromossomo e essas coisas assim. O fato é que eu sobrevivi aos anos escolares tendo dores de barriga e calafrios nos dia de aula de matemática. Como eu me formei? Esse também é um mistério para mim, sendo que no meu arquivo de pendências eu ainda tenho que retomar a tabuada e, a partir daí, tudo mais o que tentaram me ensinar na escola.
Quem diria que depois de tanto tempo a matemática fosse se tornar uma coisa tão obviamente exata para mim. Sem muito esforço, hoje eu calculo que:
liquidação + cartão de crédito + parcelamento = (gasto)² - juros
mulher + filho = vida elevada à potência máxima
(bebê + fome) x (peito + leite) = (satisfação) ²
(cansaço).tpm  + sonho de valsa = (peso) ²
(peso)²  - tempo  = sonho de valsa – autoestima
½ autoestima  + fim de semestre = sonho de valsa + briga com o marido
marido + compreensão = parceria – sonho de valsa
parceria + beijo = amor
amor + tempo = post

Vivendo e aprendendo.
 E você, qual equação tem na ponta da língua?