quinta-feira, 25 de junho de 2009

Mãenicômio

Durante os nove meses de gravidez geramos, junto com o bebê, um instinto meio assassino. Pelo menos eu tinha uma mente muito serena e tranqüila, que adorava assistir a um filme de terror de vez em quando. Até, é claro, minha filha e o tal instinto nascerem.

O negócio é que ao segurar um micro bebê nos braços eu, instantânea e automaticamente, passei a enxergar todos os perigos possíveis do mundo nos rondando.

Minha criatividade foi canalizada para situações de horror que eu inadvertidamente criava em minha cabeça ao ver uma coisinha afiada, um buraquinho, qualquer quininha que fosse. Era exaustivo.

Se sozinha era capaz de imaginar tanta atrocidade, que dirá com o incentivo dos telejornais. Depois de casos como Pedrinho-Isabela-João Hélio-João Roberto resolvi me alienar de toda e qualquer notícia. Mesmo se a violência aconteceu lá no Irã, contra uma menininha com seu pai em uma manifestação, eu não quero saber. Não me venha falar de gripe suína nem de aquecimento global. Acredite: eu já sou neurótica o suficiente.

Já sei que devemos economizar água e reciclar o lixo para que nossos filhos não morram congelados ou sejam engolidos por uma onda apocalíptica. Sei que é necessário manifestar, mas que nesses casos é melhor deixar o filho em casa. Sei que devemos ficar longe de bandido e de polícia na mesma proporção. Sei que tela de janela não é suficiente (nem toque neste assunto porque o condomínio não me permite instalar as grades de ferro). Sei que carro mata mais que qualquer outro meio de transporte e praticamente só ando a pé, olhando bem antes de atravessar a rua. Mas também sei, ó Deus, que vez ou outra um avião cai e aí não adianta nem cinto de segurança. Sei dos riscos da pneumonia, da meningite, da poliomielite, da hepatite e até da catapora. Sei como escapar do apartamento me dependurando na árvore da rua com minha filha enrolada em um colchão feito uma salsicha em caso de simpatizantes de Lindemberg (ou incêndio). Sei que caso o prédio desabe devemos nos proteger embaixo do batente da porta, ou embaixo da mesa se for um terremoto leve (melhor colocar a mesa embaixo da porta, só para garantir). Tenho uma rota de fuga em caso de enchente, mas não sei como me virar se for um dilúvio.

Melhor eu parar de escrever e pensar em uma estratégia.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Pode pular que a mamãe pega

Juro que tentei, mas mesmo com os maravilhosos protetores de calcanhares (que funcionam de verdade!) continuo em uma relação tensa com o tal do salto alto. Sei lá, talvez realmente tenha alguma coisa a ver com a genética.

Mas não dá. Principalmente depois de ser mãe minha vida mais parece uma maratona. Levar filho na escola equilibrando mochila e lancheira, ir a festas infantis e passar o tempo todo correndo atrás da criança, ir ao supermercado e carregar um monte de compras sem desprender a mão do filho... tudo isso combina mais com um tênis com sistema avançado de amortecedores.

E quando estou no meio dessa confusão e vejo lá no alto um mãe toda elegante, em cima de um 5 centímetros que seja, me sinto a pior das mulheres.

Outro dia estava na pracinha com minha filha quando entra um menininho mais ou menos da mesma idade feito um raio em direção àquelas barras em que as crianças adoram se dependurar. Passou por cima dos nossos castelinhos de areia sem nem perceber. Alguns segundos depois chega a mãe: cabelo escovado, maquiagem impecável, saia justa, bijus tilintando e um salto agulha que poderia ser considerado arma branca.

Olhei pro meu tênis sujo, meu jeans rasgado e me senti uma meninota que não sabe de nada da vida. A tal mãe estava tão bonita que era inevitável olhar pra ela hora ou outra. O filho, que logo enjoou da brincadeira, quis descer das barras mas não conseguiu. A mãe mudou a bolsa de ombro e esticou os braços. “Pula filho! Mamãe te pega!”. Mas quem disse que o menino pulava? Armou um berreiro que comoveu metade das pessoas presentes no parquinho. E a mãe sacodia os braços fazendo música com as pulseiras e enterrando o salto na areia, mas nada do menino pular.

Cinco minutos de agonia se passaram até que a babá chegou. Bastou que ela se aproximasse do brinquedo para o menino se atirar em seus braços com toda a confiança do mundo.

A babá usava calças brancas e tênis.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

À procura de Billy

O dinheiro é um daqueles caras sedutores que te prometem o mundo, mas que quase nunca dá as caras. E aí a gente não sabe se o odeia ou se simplesmente odeia o fato de não tê-lo por perto.

Apesar de professora, sempre me dei bem com o senhor dinheiro. Não éramos daquele tipo de casal que topa uma farrinha a qualquer hora, mas sabíamos bem nos divertir moderadamente. Até que...

Até que me casei, tive uma filha e me mudei para longe da família (não necessariamente nesta ordem) e passei a fazer parte da população economicamente inativa. Com uma filha, um marido e uma casa para cuidar tive que abandonar as atividades lucrativas. Contrariando a máxima de que “time is money”, tudo o que meu tempo livre rendeu foi um saldo negativo.

E porque não tem preço eu poder levar e buscar minha filha na escola todos os dias, ter tempo para conversar e brincar com ela e ainda receber meu marido com comidinha caseira em casa... sigo desempregada. Mas confesso: vivo tendo fantasias com aquele outro, o dinheiro, principalmente quando passo pelo shopping que, só de maldade, resolveu ficar bem no caminho entre minha casa e a escola da minha filha.

E não adianta dar cartão, mesada, conta conjunta... O dinheirinho nosso tem outro sabor. Só ele conhece os nossos segredos e sabe como nos satisfazer de verdade.

Por essas e outras ando atenta pelo bairro à procura do cachorrinho Billy, desaparecido desde quinta-feira, cujo anuncio afixado nos postes garante a quem encontrá-lo recompensa de quinhentos reais.


segunda-feira, 8 de junho de 2009

Saindo do regime

Eu sabia que não seria sempre fácil assim. Afinal, já sou calejada neste universo dos regimes. Nós, gordinhas, cremos em uma fórmula saudável de se perder peso da noite para o dia assim como os devedores acreditam, ao sairem da casa lotérica, que podem ficar milionários na manhã seguinte. Além do que sempre há a história da amiga de uma amiga que conseguiu um corpão de modelo sem grandes esforços. E assim seguimos com fé.


Depois daqueles dois primeiros quilos e quatrocentos gramas que foram embora sem nem se despedirem eu achei que tivesse encontrado o segredo. E ah... como eu curti cada centímetro a menos no meu quadril. Desperdicei meu aniversário recusando várias calças lindas 42 por acreditar que muito em breve meu manequim seria um 38. Oh, doce ilusão.


Acontece que o choque alimentar só acontece na primeira semana, quando se reduz drasticamente a quantidade de alimento ingerido. Deixamos de comer o pãozinho matinal, as bisnaguinhas com requeijão, os dois pratos de arroz com feijão, os quatro pedaços de pizza. Não raspamos mais o leite condensado da lata enquanto fazemos a sobremesa. Aliás, não fazemos mais sobremesas e sim as colhemos nas árvores. Não engolimos mais salsichas toda vez que abrimos a geladeira, nem compramos bombom na banca de revista. Deixamos todos os hábitos gostosos de lado para viver de capim. O corpo retribui aniquilando dois ou três quilinhos. Nada mal. Mas basta uma semana para o organismo se acostumar com a nova gororoba que a velocidade do emagrecimento passa a dar passos de formiga. Duzentos gramas aqui, cem acolá. E ai de você se reclamar. Melhor perder cem do que não perder nada.


Bastou recuperar os primeiro quinhentos gramas para me sentir traída. Foi bom para ficar esperta. E eu achando que esse poderia ser O regime da minha vida.


Para completar a desilusão a temperatura caiu e o meu antigo caso amoroso, a gula, bateu na minha porta me chamando para um revival. Como se já prevendo tudo isso, ela esperou pacientemente em um canto qualquer e apareceu bem no meu momento de maior carência. Chegou toda encantadora, cheia de carinho e atenção. E mesmo conhecendo muito bem o seu joguinho, mesmo sabendo que na manhã seguinte bateria aquele arrependimento de sempre, mesmo sabendo que ela não tem nada para me oferecer além de momentos de puro prazer: me rendi aos seus encantos.


E depois de me aventurar nos braços de um novo regime como uma mocinha iludida, volto a estaca zero.



quarta-feira, 3 de junho de 2009

Jovem Guru

Tenho um guru na família. Olhos penetrantes, paz e amor irradiantes. Quatro anos de idade. Minha filha.

Muito se fala sobre a importância e o valor da infância, mas não sei até que ponto as pessoas realmente enxergam a criança. Não falo aqui da criança como filho, mas da criança como fonte de sabedoria. Um pequeno ser tem muito mais para ensinar do que a função de ser pai ou mãe. Uma criança nos ensina viver.

Por que eu acredito tanto assim no poder infantil? Simplesmente porque há na criança toda a essência humana, sem os calos da vida, sem as rédeas da sociedade, sem a fragilidade do medo, sem a praticidade do cotidiano, sem as sujeiras do preconceito. A criança desfruta da vida livremente, e é isso que as torna tão especiais.

Para aprender com uma criança tem que ser inteligente. Primeiro é preciso desprender do formato tradicional de aula, em que um professor mais velho e experiente dá o bê-á-bá da vida para seu pupilo. A criança ensina em cada gesto, em cada movimento despreocupado do dia. Tem que ser sensível para perceber a aula, para entender nas entrelinhas de sua sutileza.

Ontem minha filha perdeu o primeiro dentinho, acontecimento que me encheu de sentimento (ainda não definido). Ver seu corpinho amadurecendo deixou meu coração cheio de sei-lá-o-quê. Ela, contudo, estava muito certa do que sentir: transbordava de alegria. Veio cantando por todo o caminho da escola até em casa, presenteando o mundo com um sorriso banguela. Passou o resto do dia se admirando no espelho. Ela não enxergava uma coisa faltando, um dente perdido. Acreditava que a natureza estava feliz, com fadas discutindo quem iria buscar seu dentinho e levá-lo de volta para esse lugar mágico que é o mesmo de onde as crianças vêm.

Fiquei imaginando se seria possível a gente reagir da mesma forma ao perceber uma nova ruga, vendo a juventude ir embora carregada por fadinhas serelepes. Que bom seria poder vibrar toda vez que sentíssemos a natureza agindo sobre nós.

Minha guia-espiritual particular não para de me dar lições de vida... mas certas coisas continuam sendo possíveis só para seres iluminados como as crianças.