Samuel, ao contrário da
irmã que já nasceu atenta para o mundo, demorou uma semana para
resolver abrir os olhos. Quando finalmente o fez, lançou um olhar de
descaso para as novidades que o cercavam. Frequentemente nos olhava
de cenho franzido, com ar repreendedor, peculiar de um senhor que já
não tem mais paciência com a humanidade ignorante.
Parece ter nascido
pós-graduado em questão de vida. Passou pelas várias etapas do
primeiro ano com proficiência. Aprendeu a mamar sem dificuldades,
tomou as vacinas sem chorar e aceitou as consultas pediátricas com
familiaridade. Passou a dormir do carrinho para o berço sem
estranhamentos e do quarto dos pais para a solidão de seu recanto
com segurança. Pegou hábito pela chupeta com a mesma facilidade com
que o abandonou. Resolveu, porque assim o quis, parar de mamar e
aceitou a mamadeira como se fosse uma velha conhecida. Não
desenvolveu alergias e teve muito gosto em provar todos os sabores
que chegaram ao seu alcance. Na primeira vez que foi tomar um
suquinho de frutas, motamos um arsenal de câmeras e máquinas
fotográficas a sua volta para registrar suas caretas. Mas, que nada.
Virou uma mamadeira inteira sem pausa para recuperar o fôlego e
assim foi com todos os alimentos que o oferecemos. Passamos da
papinha batida para a papinha amassada e, depois, para a papinha em
pedaços sem que ele parecesse perceber. Mesmo de barriga cheia ele
vinha engatinhando até a mesa e, apoiado nos meus joelhos, exigia
participar da ceia de gente grande. No dia em que resolvemos
apresentá-lo ao canudinho, ele instantaneamente tomou um copão de
laranjada enquanto nós, bobos, fazíamos biquinho para ensiná-lo a
sucção. No olhar a mesma expressão de sempre dizia: “até que
enfim”. E assim tive a sensação de estar sempre correndo atrás
do seu desenvolvimento, disparado na minha frente.
Por essas e outras
cheguei a duvidar que ele se apegaria a qualquer brinquedinho que
fosse. Afinal, tais apegos funcionam como defesas às angústias da
separação materna e Samuel sempre nos pareceu muito confortável
com minhas ausências. Ainda assim, elegi, eu mesma, um macaquinho de
tecido atoalhado para ser seu objeto transicional. Todos os dias
colocava o bichinho no berço ou no carrinho de passeio. Ainda que
ele estivesse dormindo, eu forjava abraços pousando sua mãozinha
sobre o macaco, impondo um estreitamento de laços que jamais
ocorreu.
De uns meses para cá,
porém, Samuel passou a procurar pelas fraldinhas - lindamente bordadas por mãos sul mato grossenses - espalhadas pela casa para socorrer qualquer
emergência desde o seu nascimento. Quando as alcança abraça-as com
amor e as esfrega no rosto com energia. Quando o sono começa a
chegar já me antecipo oferecendo-lhe o paninho que ele recebe com
expressão de alívio. Ao reconhecer as tramas espaçadas da fralda
amiga, suas pálpebras relaxam sobre os olhinhos cansados. E eu fico
feliz da vida de me saber, enfim, identificada em toques delicados de algodão.
Para Marta ~