quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Metamorfoses Cabelísticas


Sempre achei que meu cabelo deveria acompanhar meus momentos de vida. Tudo isso começou, até onde eu me lembro, quando tive minha primeira paixão de verdade. Era meio estranho olhar no espelho e ver a mesma pessoa de sempre, sendo que por dentro eu era tão cheia de novidades. Resultado: luzes.

E assim aconteceu quando mudei de país e deixei minhas longas madeixas semilouras por lá. Imagina se depois de tudo que vive eu iria voltar assim, com a mesma cara do dia do embarque.

A gravidez rendeu um micro-quase-chanel-com-repiques, o que combinava bem com a confusão emocional que eu experimentava naquela época.

Quando minha filha nasceu eu bem que precisava ficar careca, e quem sabe dar uma de Michael Jackson às avessas e mudar de cor de pele também. Saí do hospital outra pessoa e minha aparência só não refletia tamanha mudança porque eu estava ocupada demais sendo mãe para pensar em salão de beleza. Mulheres que viram mães deveriam mudar até de CPF.

Não por coincidência minha filha, pela primeira vez em cinco anos, se vestiu sozinha para a escola, arrumou a mochila, almoçou sem ajuda e escovou os dentes sem que eu tivesse que persegui-la pela casa exatamente no mesmo dia em que trocou os cabelos longuíssimos de sempre por um chanel de boneca. Foi para o salão decidida e sem piedade. Voltou com um espanador de cabelo na mão e a nuca à mostra, feliz da vida, parecendo outra pessoa.

Será que virou mocinha?





*ilutração: Patricia Ariel

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Apagão


Ainda bem que o horário era de verão, porque quando escureceu foi para valer. Dava para ver as luzes de velas dançando numa ou outra janela. (Os tempos são tão modernos que ninguém mais tem vela. Eu, por sorte, tinha duas que sobraram de um jantar romântico semana passada). E aí a gente se pega pré-ocupando: e se a luz nunca mais voltar? E se for o fim do mundo? Como é que a gente vai saber o que fazer, se nem a televisão liga mais? Como eu vou apresentar meu trabalho amanhã, sem o laptop? E fazer o almoço sem o microondas? E meus amigos, como que ficam sem e-mail? E depois de mais algumas perguntas a gente conclui que sem eletricidade metade da nossa vida vai embora.

Das poucas coisas que não se abalaram com o apagão foi a comunicação com minha mãe. Nossa telepatia vem de antes do celular. Quando ela me levava para brincar na casa de uma amiguinha e combinava de ir me buscar às cinco horas da tarde, eu nem me preocupava: se a brincadeira estava boa demais eu sabia que ela iria se atrasar, se a amizade não estivesse em seus melhores dias calhava dela mudar os planos e ir me pegar mais cedo. E se no começo parecia coincidência, depois reconhecemos e passamos a fazer uso desse nosso sistema interno de comunicação. Na adolescência, quando vivia sem crédito no celular, nem precisava fazer a chamada a cobrar. Bastava dizer forte com o pensamento “mãe, me liga” que logo aparecia na telinha piscando: “mami cel”. A prática da telepatia chegou a tal grau de eficiência que não dava nem mais para sabotá-la. Quando passei maus bocados no exterior e quis poupá-la de aflições inúteis o resultado foi este: mãe e filha internadas, eu lá e ela aqui. Sofrimento dividido assim, por telepatia. Telepatia sem fronteiras.

Que a luz acabe: as coisas mais importantes já estão garantidas.




Parabéns Mami-Ana-Maria-Cabelos-de-Ariel. Amo-te!        

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Estamos juntos


Toda vez que ela diz “papai” eu consigo escutar as batidas do seu coração.


Mesmo quando você não me dirige aquele olhar marejado e assustado do princípio, tentando fingir que já se acostumou com o novo título, dá para ouvir.


Por alguns deliciosos instantes a gente até esquece que a luta é diária e que o caminho na construção de um amor verdadeiro é longo e difícil.


Lembre-se que mesmo quem conta com a vantagem da genética às vezes esquece que o desafio da paternidade não é só para pais como você.


Pais biológicos nem sempre são pais de coração.


E ela diz “papai”.


Então meu coração se junta ao seu neste ritmo acelerado. Porque para mim a conquista é sentida em dose dupla: me emociono por você, que ganha uma filha, e por ela, que ganha um pai de verdade.



quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Rebeldia emprestada

Se por um lado ser mãe-mulher-esposa-filha-professora-dona-de-casa-etc-etc já me deixa exausta, por outro eu gostaria de ser muito mais. Gostaria, por exemplo, de ser um pouco rebelde. Na adolescência, nas poucas vezes em que tive coragem de matar aula no colégio, contei logo para minha mãe e sofri de remorso. Sempre fui incompetente para fazer coisas erradas e acredito que com isso não experimentei um tipo de emoção da vida.

E porque não dá pra sair colocando piercings pelo corpo nesta altura do campeonato, agradeço pelas amigas que tenho. Talvez elas nem saibam disso, mas quando compartilham suas angústias e alegrias comigo, deixam-me sentir o gostinho dessas outras emoções.

Através das minhas amigas, eu já percorri toda a Inglaterra, morando em trailer e tendo vizinhos nudistas. Também já fui de mala e cuia tentar a vida no litoral baiano, fui viver de amor. Já tive namorado tatuado do couro cabeludo até a ponta dos pés. Vivi aventuras amorosas (e proibidas) sob o luar carioca e outras ainda mais inesquecíveis sob o luar de Las Vegas. Um dia abandonei tudo e fui descobrir quem eu era sozinha, noutro lugar. Já entrei em briga, tirei satisfação com gente furando fila no McDonalds, já mandei quem não devia praquele lugar. Pintei o cabelo de todas as cores e fiz várias tatuagens.

Nunca fui noviça, mas graças às minhas amigas pude ser rebelde.