terça-feira, 15 de março de 2011

Brigadeira


Mãe não tem sossego nunca, é o que garante minha avó. De fato, as crianças vão crescendo e os problemas mudam, mas não se extinguem jamais.

No começo eu tinha medo de que ela parasse de respirar repentinamente. Passava a noite em claro acompanhado a barriguinha subir e descer, colocando a mão debaixo do nariz para sentir a respiração hora ou outra. Depois veio o medo de rolar da cama, medo das quinas, medo das gavetas e das tomadas desprotegidas. Tão logo passaram esses temores, chegou o medo da distância, medo da mordida dos colegas, medo da professora desinformada. 

Hoje minha filha tem seis anos, imunidade e equilíbrio perfeitos. Sabe o telefone, o endereço de casa bem como botar a boca no mundo quando algo não lhe agrada.  Em um restaurante conhecido, por exemplo, posso comer enquanto ela explora o ambiente e faz amiguinhos. Finalmente sossego? Oh, doce ilusão.

A pequena entrou na fase da menina X menino e frequentemente as brincadeiras em grupo resultam em brigas (ou “brigadeiras”, como ela mesma diz). Ao contrário do que acontecia quando ela era um bebê, já não pega tão bem eu ir defendê-la das armadilhas dos meninos, mesmo porque ela mesma nem sempre joga limpo.  Fico observando de longe, exercitando meu autocontrole sofregamente.

Da última vez ela brincava de casinha, mas bastava as cadeirinhas e mesinha de plástico estarem em seus lugares para três criaturas endiabradas virem e devastarem a arrumação. Ela fazia careta, dava uns pontapés espantando a gangue e arrumava tudo de novo, com a paciência de Jó.  Eu logo localizei a mesa dos pais dos meninos e dei umas encaradas, umas levantadas da cadeira para ver se alguém se tocava. E se eles a machucarem de verdade? Da quinta vez que o vandalismo se repetiu não pude me segurar. Quando percebi já estava no parquinho falando grosso com os meninos de igual para igual. Quase mostrei a língua, para deixar bem claro que o time das meninas era mais forte.  Ridículo pensar que a família dos meninos, três crianças, assistia meu show de camarote. 

Mais ridículo ainda foi perceber que estraguei a diversão da minha filha (agora emburrada) que no fim das contas estava adorando da brincadeira.


  Ilustração: Larry

Aproveito o post para divulgar o blog de uma grande amiga, artista, psicóloga e escritora, que ao escrever seus Devaneios Lunares fala da alma feminina como ninguém. Não deixem de conferir!