domingo, 16 de janeiro de 2011

Fotografias


Ir a Portugal foi um sonho carinhosamente cultivado durante alguns anos da minha vida. Era já com familiaridade que eu me imaginava passeando pelas ruas de Lisboa. Emocionava-me a cada leitura de Pessoa ou Camões, cheia de estranha cumplicidade. 

Finalmente pisar em terras lusitanas foi algo maravilhoso. Consegui segurar o choro até me ver diante do Tejo, que transbordou em mim. Chorei na Rua da Saudade, ouvindo fado e até comendo um pastelzinho de Santa Clara. De tão sonhado que era e para crer que era real,  precisei beber o Tejo, alisar os azulejos, beijar as estátuas. Sim, tudo era inesquecível, mas só para garantir tirei quantas fotos pude. 

Já em Madri, horas antes de voltar ao Brasil tive minha câmera roubada, fato que rendeu infinitas lágrimas e uma antipatia crônica da capital espanhola. Consolei-me pensando que o que eu vi e experimentei em Portugal ninguém jamais poderia roubar de mim. 

Um ano e meio depois me espanto quando vasculho o cofre da memória e encontro só uns restos de ruas, umas poucas notas de fado,  um gostinho doce quase aguado. Para falar a verdade, se é que a verdade existe, às vezes nem sei mais qual memória foi vivida e qual foi sonhada. Será que se tivesse as fotos num álbum da estante eu lembraria? Duvido. 

Duvido porque quando folheio os álbuns da estante reconheço-me apenas como quem se reconhece numa personagem de romance. 

Neste imenso quarto de sonhos e memórias onde brotam e se dissolvem pessoas e lugares a todo instante, mora também a pergunta: em que se resume a vida?

Nos sonhos tão fortemente sonhados ou nos sonhos realizados?
Num mosaico de passado?
No presente sempre fugidio?
Na iminência do futuro?

Disso eu ainda não sei, mas já posso garantir: tudo vale a pena, se a alma não é pequena.


Em memória do meu avô Hugo, que partiu sem lembrar e teve a maior de todas as almas.