Todo fim de ano eu quase cruzo aquela linha tênue entre a sanidade e a loucura. Depois de um ano inteiro de compromisso sucedendo compromisso e um relógio rápido no ponteiro, entro na inércia da tensão. Mesmo deitada para dormir sinto o coração acelerado, com uma sensação crônica de que tenho algo para fazer - e com urgência! A isso se junta a obrigação dos presentes de natal, as provas finais das crianças, o décimo terceiro para acertar, os exames de rotina para fazer e aquela arrumação geral nos armários que jurei não postergar outra vez. Não fosse o calendário estar por uma folha e o ano novo gritando sua promessa de recomeço, eu endoidava na certa.
Finalmente de férias, parto com marido e filhos para Minas Gerais, onde mora nossa família. Ufa! Hora de relaxar... Mas não sem antes visitar todos os tios, avós, primos de primeiro, segundo e terceiro grau e agregados. Os meus e os dele. Antes mesmo de abrir os olhos pela manhã já há uma trupe de avós ansiosos pela presença dos netos, aguardando a nossa anunciação dos planos do dia. É preciso fazer escalas justas entre a casa de um e de outro, intercalando com os almoços e cafés com os amigos que a gente queria tanto encontrar. Uma semana e já começo a achar a antiga rotina do ano quase um resort. Estou exausta.
Uma vez cumprido todos os deveres da espécie sócius-familiris, arrumo novamente minhas malas e vou, com as crias, para o apartamento no interior de São Paulo. Cidade tranquila de águas termais, com uma praça linda onde se compra pipoca e o melhor bolo de milho que já existiu. Meia duzia de lojinhas, dois bons restaurantes e só. No prédio, onde além do meu pequeno clã estavam minha mãe e minha avó, uma piscina impecavelmente limpa e de água aquecida. Em outras palavras: o paraíso.
Guardei o relógio no fundo da mala e me dei conta de ter esquecido - involuntariamente, juro! - meu carregador de celular em Minas. Quase incomunicável vou me esquecendo que o mundo é grande e habitado por muita gente. Meu universo vai se reduzindo aos poucos metros que separam nosso apartamento da piscina. Acordo todos os dias para nadar e volto para dormir. Não por obrigação, como acontece quando se paga caro pela diária de um hotel e nos sentimos obrigados a usufruir da área de lazer mesmo preferindo ficar na cama lendo um livro - mas como se essa fosse minha natureza animal, um ritual diário que cumpro inconscientemente.
Entre minha avó, minha mãe e eu, encontro a simbiose perfeita. Convivemos com poucas palavras porque a maior parte da comunicação é adivinhada. Não há a necessidade de explicar nada, porque tudo já é sabido entre a gente. Não é necessário pisar em ovos nem medir palavras, ainda que o assunto seja sério. Nossa relação é tão sólida que permite divergências à vontade. Nossa afinidade é corporal, coisa de quem já habitou o útero uma da outra. Como planetas em órbita, nos movimentamos em perfeita harmonia. Uma cozinha, a outra lava as louças, a outra arruma as camas... sem que nada precise ser combinado. Somos a própria combinação.
Vinte e um dia depois é hora de voltar. Hora de encontrar as roupas já acomodadas nas gavetas e estiradas no varal. Hora de esquecer do biquini e de dizer até logo. O privilégio de se viver tanto amor cobra caro na hora da despedida. Se não for até as próximas férias, digo que nos vemos "do lado de lá". Humor negro que a gente sempre usa para abrandar o medo que temos de nos separar definitivamente. Volto pra casa bronzeada, vivendo os dias mais pelo sol e pela lua que pelos números que o relógio mostra. Coração tranquilo pronto para o tal recomeço, depois dessas férias de verdade.
Lindo seu cantinho
ResponderExcluirsuper organizado, compartilhando aqui
abrass Renato
http://renatoartesanato.com/
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