Ainda que dez anos depois, pude
facilmente reconhecer aquele nome na tela de computador, entre mil e um
anúncios culturais. Minha banda favorita estaria de volta em território
nacional depois de um longo período longe dos holofotes. Coração disparado bombeou para mente
deliciosas recordações adolescentes: o cheiro da caneta metálica (quem lembra?)
com que eu decorava as pastas de fotos e matérias da banda, os micro detalhes
das capas de CD que eu admirava sem cansar, o sentimento de orgulho quando algum clipe ficava em primeiro
lugar no disk MTV. Sem falar, é claro, dos muitos e muitos sonhos tecidos pela
minha mente imatura e desocupada.
Os
tempos agora eram outros. Formada, casada e mãe (não necessariamente nesta
ordem), tinha responsabilidades o suficiente para não conseguir ouvir sequer uma
música do início ao fim. Tinha a
certeza, porém, que merecia um último esforço de tietagem. Afinal, foram anos a
fio de sonhos não concretizados, centenas de reais gastos com caríssimas
revistas importadas, noites inteiras em claro baixando as raras e pesadas fotos
na internet (que a gente só podia conectar entre meia noite e seis da manhã).
Eu sempre soube que era a fã número um e me contorcia de ciúmes quando via
pseudo-fãs conhecendo a banda pessoalmente em programas de televisão no meu lugar. Agora era
a minha vez.
Estava
diante da chance de realizar aquele sonho adolescente e fechar com chave
de ouro, ainda que tardiamente, este capítulo da minha vida: tinha o dinheiro
para comprar o melhor lugar da platéia; estava morando em São Paulo e poderia
acompanhar todos os passos da banda com total domínio de território. Além do
que, depois de tantos anos, a banda não estava mais em evidência e a
concorrência não seria tão acirrada como da primeira vez. (Parênteses para
falar do primeiro show no Brasil: depois de um dia inteiro na fila os portões se
abriram para poucos milhares de meninas enfurecidas. Praticamente um estouro de
boiada, com várias vítimas pelo caminho. Segurança local não dá conta, chega
polícia militar para tentar colocar a ordem no recinto. No meio da multidão,
era possível tirar os pés do chão sem cair. Se você entrasse com os braços para
baixo, colados ao corpo, assim eles ficariam até o fim do show. A pressão era
tanta que sentia minhas costelas se entrelaçar, como duas mãos de dedos
cruzados. Achei, em diversos momentos, que iria morrer. Ou esmagada. Ou de alegria).
Poucos
dias depois me deparo com um teste positivo para gravidez. Dois, três, quatro,
cinco, seis, sete... Estaria com sete meses no dia do show. Sete meses significava barriga grande.
Significava, também, uma fã com dor nas costas lá no fim da platéia, assistindo
ao show pelo telão. E lá se foram, mais uma vez, meus planos de fã número um
por água abaixo. Tentei disfarçar a decepção, porque sempre tive noção do
ridículo.
Os
meses se passaram em total dedicação ao bebê que se preparava para estrear no
palco da minha vida. Meu futuro pop star, de quem eu seria fã incondicional e
eterna. O dia do show enfim chegou e eu, já conformada, decidi chegar só com uma hora de antecedência. Queria evitar filas e tumultos, já que minha intenção de lugar seria
pouco disputada e que o bem estar do meu bebê estava em jogo. Durante o dia fui acompanhando as notícias de mulheres (sim,
mulheres supostamente maduras, as tais pseudo-fãs) que foram ao aeroporto, à
churrascaria, à porta do hotel acompanhar a banda. E eu sofrendo apenas algumas contrações no
coração.
Marido
e eu seguimos civilizadamente para o show, antes deixando nossa filha com uma
amiga caridosa. Ah, e o bebê, é claro, dentro da minha barriga redonda, com
sete meses de formação. Chegando ao local me deparo com uma cena inesperada: a fila dava
voltas no quarteirão de forma que eu não conseguia achar o fim. Abordo a
primeira pessoa uniformizada que vejo pela frente e eis que
este indivíduo me fala, com a maior simplicidade do mundo: “Os portões vão
abrir agora, pode passar aqui porque você é preferencial.”
Calma
lá. Preferencial? Eu? EU? Despeço do marido sem conseguir pronunciar uma palavra e entro de
pernas bambas pela porta da casa de shows deixando para trás uma multidão de mulheres
contorcidas de inveja. (Rá!) Lá dentro encontro uma paz enorme. O salão vazio ecoava
os movimentos dos roadies que faziam
os últimos ajustes no palco, tão maravilhoso como uma miragem no
deserto. Antes que os portões se abrissem e eu tivesse que fugir com meu bebê para o fim do salão, fui até a barra do gargarejo e fechei meus olhos, imaginando o quanto
seria emocionante assistir o show dali, o lugar mais cobiçado por todos. “Moça? Pode vir”,
interrompe outro ser iluminado. “Ir para onde”, eu pergunto. Então ele me
leva, com pompas de realeza, até meu banquinho especial, EM FRENTE ao
gargarejo, para eu poder assistir ao meu show bonitinha, sentadinha, ao lado
das minhas novas melhores amigas grávidas, acidentadas e cadeirantes.
Foi
lindo. Com direito a troca de olhares com meus ídolos queridos e até mãozinhas
tocadas. Na barriga, meu filhão-parceria mostrava que mamãe também tem direito
de curtir revival adolescente sem
medo de ser feliz.
*Eu, de camisa xadrez, tietando. Foto: divulgação.
Para Adriele.
Tive uma experiencia parecida com esta, durante o show do Eminem em 2010. Me imaginei ridiculo por ainda sentir vontade de assistir o meu "revoltado" favorito ao vivo.
ResponderExcluirSe não tivesse me sacrificado de todas as formas pra estar lá, hoje ainda sentiria o amargor do arrependimento na boca. Também peguei espaço preferencial, estava com uma inflamaçã que deixou meu pé direito com o dimetro de um pneu de Saveiro. Tirando a gravidez (até porque sou menino rsrsrs) e o contato direto com o ídolo (ele deve ser cego e surdo, pq eu berrei horrendamente) o restante foi exatamente igual. Me senti renovado.
Forte abraço!
att: landerfire
;) Adoraria ir ao show do Eminem... de preferência grávida, ou com uma inflamação no pé.
ExcluirQue experiência bacana e que sorte! Eu ficava contente só de passar na fila do caixa do mercado, imagina então ver o show do seu artista preferido, deve ter sido sensacional. Qual é o nome da banda?
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