quarta-feira, 27 de maio de 2015

Por que viajantes são melhores seres humanos

Viajar é uma prática enriquecedora. Fato. Não importa a alta do dólar ou da temporada, o saldo final de qualquer viagem é sempre positivo. O viajante regressa de um destino carregado de conhecimentos históricos, artísticos, políticos, gastronômicos e linguísticos que fazem valer o maior dos investimentos. Se fosse possível pesar toda a “cultura” que se traz de uma viagem, o excesso de bagagem seria certeiro. Isso em si já configura um “upgrade” na existência de qualquer ser humano. Mas há outro benefício em viajar que vai além do acúmulo de repertório, algo que modifica o homem e sua maneira de estar no mundo. Quem viaja encarna, ainda que provisoriamente, um ser incrível: interessado, paciente, livre de preconceitos e amoroso.

O mesmo indivíduo que vai para o aeroporto excomungando o trânsito e dando pontapés na própria mala, aterrissa do outro lado já incorporado pelo maravilhoso espírito de viajante. Arrasta a mala pelo metrô, pelos paralelepípedos, pela areia, escada acima... tudo sem reclames. É como se recebesse uma dose cavalar de energia, mesmo depois de horas intermináveis dentro de um avião. Afinal, ele já está quase lá, no destino almejado, e há muito com o que se ocupar além da mala. O viajante se compromete a apreciar todas as imagens que aparecem pelo itinerário, a começar pelos carros do congestionamento na saída do aeroporto. Dos pontos turísticos aos mendigos nas ruas, tudo merece ser olhado com atenção e, se possível, fotografado. A consciência do “diferente” lubrifica as pálpebras, ajusta os graus, limpa da lente ocular os pré-conceitos.

Há uma enorme beleza para ser admirada no cotidiano alheio, os viajantes de corpo e alma crêem. As crianças indo para a escola, os homens de negócio nas avenidas, as mulheres cansadas no metrô. O viajante sente desejo de conversar com todas essas personagens estrangeiras, embora raramente o faça, seja por timidez ou falta de recurso. Então distribui sorrisos gratuitos e, quando recebe uma piscadela de volta, sente-se como um infiltrado naquele excitante mundo novo. O viajante procura estabelecer essas conexões arriscando um diálogo onde quer que a oportunidade apareça: na porta do elevador, na fila do fast food, no banco da praça.  Para tal, ele logo se ocupa em aprender as palavrinhas mágicas no idioma do país que visita.  Já no primeiro dia está fluente no “por favor”, “obrigado”, “desculpe-me”, “bom dia” e “boa noite” e procura usar esse vocabulário com determinação, pois adora brincar que faz parte do lugar a que não pertence.  

“Determinação”, na verdade, é o segundo nome do viajante. Ele costuma ter metas bem definidas de lugares a se visitar. Não importa que tenha que atravessar meia cidade, escalar uma montanha, pegar duas balsas e subir 837 degraus. Cada gota de suor significa maior proximidade da chance de tirar aquela foto-fetiche que ficará para posteridade. A alegria do viajante aumenta proporcionalmente à sua canseira. Ele chega ao fim de cada dia absolutamente exaurido, com bolhas nos pés, e feliz. Haja otimismo! Aliás, tá aí uma coisa que não falta ao viajante: a capacidade de ver o lado bom de tudo. Ele debocha de si mesmo o tempo todo: pega o trem errado e tem uma crise de riso, toma chuva e posa pra foto molhado, fica perdido e tira uma selfie olhando com cara de interrogação para o mapa.


É mesmo uma pena que o espírito de viajante desencarna em território nacional, despedindo-se logo ali, nas esteiras onde as bagagens demoram tempo demais para aparecer. Que bom seria se conseguíssemos nos manter encarnados, com a mesma disposição para percorrermos nossos caminhos de cada dia. Que interessante seria permanecer com os olhos abertos, enxergando a beleza de tudo o que nos cerca. Que estimulante seria correr atrás dos nossos objetivos rindo das nossas próprias falhas nos obstáculos que nos separam da vitória. Que incrível seria se usássemos as palavrinhas mágicas e distribuíssemos sorrisos excessivamente. Que lindas seriam nossas relações afetivas, se nunca deixássemos de tentar estabelecer conexões, ainda que faltassem palavras para tal. Que ótimo seria para nós, todos de passagem nesta vida, se permanecêssemos constantemente abertos para o novo e maravilhados pelo fato de sermos diferentes. 



 Para os meus amigos que nasceram turistas no planeta Terra.

2 comentários:

  1. Olá querida! Amo ler blogs e hoje descobri o seu e já inclui em minha lista de leitura!
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