Viajar é uma prática enriquecedora.
Fato. Não importa a alta do dólar ou da temporada, o saldo final de qualquer
viagem é sempre positivo. O viajante regressa de um destino carregado de
conhecimentos históricos, artísticos, políticos, gastronômicos e linguísticos
que fazem valer o maior dos investimentos. Se fosse possível pesar toda a “cultura”
que se traz de uma viagem, o excesso de bagagem seria certeiro. Isso em si já
configura um “upgrade” na existência de qualquer ser humano. Mas há outro benefício
em viajar que vai além do acúmulo de repertório, algo que modifica o homem e
sua maneira de estar no mundo. Quem viaja encarna, ainda que provisoriamente,
um ser incrível: interessado, paciente, livre de preconceitos e amoroso.
O mesmo indivíduo que vai para o
aeroporto excomungando o trânsito e dando pontapés na própria mala, aterrissa do
outro lado já incorporado pelo maravilhoso espírito de viajante. Arrasta a mala
pelo metrô, pelos paralelepípedos, pela areia, escada acima... tudo sem reclames.
É como se recebesse uma dose cavalar de energia, mesmo depois de horas
intermináveis dentro de um avião. Afinal, ele já está quase lá, no destino almejado, e há muito com o que se ocupar além da
mala. O viajante se compromete a apreciar todas as imagens que aparecem pelo itinerário, a começar pelos carros do congestionamento na saída do aeroporto. Dos
pontos turísticos aos mendigos nas ruas, tudo merece ser olhado com atenção e,
se possível, fotografado. A consciência do “diferente” lubrifica as pálpebras,
ajusta os graus, limpa da lente ocular os pré-conceitos.
Há uma enorme beleza para ser admirada
no cotidiano alheio, os viajantes de corpo e alma crêem. As crianças indo para a escola, os homens de negócio nas
avenidas, as mulheres cansadas no metrô. O viajante sente desejo de conversar
com todas essas personagens estrangeiras, embora raramente o faça, seja por
timidez ou falta de recurso. Então distribui sorrisos gratuitos e, quando
recebe uma piscadela de volta, sente-se como um infiltrado naquele excitante mundo
novo. O viajante procura estabelecer essas conexões arriscando um diálogo onde
quer que a oportunidade apareça: na porta do elevador, na fila do fast food, no banco da praça. Para tal, ele logo se ocupa em aprender as
palavrinhas mágicas no idioma do país que visita. Já no primeiro dia está fluente no “por favor”,
“obrigado”, “desculpe-me”, “bom dia” e “boa noite” e procura usar esse
vocabulário com determinação, pois adora brincar que faz parte do lugar a que
não pertence.
“Determinação”, na verdade, é o
segundo nome do viajante. Ele costuma ter metas bem definidas de lugares a se
visitar. Não importa que tenha que atravessar meia cidade, escalar uma montanha,
pegar duas balsas e subir 837 degraus. Cada gota de suor significa maior
proximidade da chance de tirar aquela foto-fetiche que ficará
para posteridade. A alegria do viajante aumenta proporcionalmente à sua
canseira. Ele chega ao fim de cada dia absolutamente exaurido, com bolhas nos
pés, e feliz. Haja otimismo! Aliás, tá aí uma coisa que não falta ao viajante:
a capacidade de ver o lado bom de tudo. Ele debocha de si mesmo o tempo todo: pega
o trem errado e tem uma crise de riso, toma chuva e posa pra foto molhado, fica
perdido e tira uma selfie olhando com cara de interrogação para o mapa.
É mesmo uma pena que o espírito
de viajante desencarna em território nacional, despedindo-se logo ali,
nas esteiras onde as bagagens demoram tempo demais para aparecer. Que bom seria
se conseguíssemos nos manter encarnados, com a mesma disposição para percorrermos
nossos caminhos de cada dia. Que interessante seria permanecer com os olhos
abertos, enxergando a beleza de tudo o que nos cerca. Que estimulante seria
correr atrás dos nossos objetivos rindo das nossas próprias falhas nos obstáculos que nos separam da
vitória. Que incrível seria se usássemos as palavrinhas mágicas e
distribuíssemos sorrisos excessivamente. Que lindas seriam nossas relações
afetivas, se nunca deixássemos de tentar estabelecer conexões, ainda que
faltassem palavras para tal. Que ótimo seria para nós, todos de passagem
nesta vida, se permanecêssemos constantemente abertos para o novo e maravilhados pelo fato de sermos diferentes.
Para os meus amigos que nasceram turistas no planeta Terra.
ResponderExcluirthank you
سعودي اوتو
Olá querida! Amo ler blogs e hoje descobri o seu e já inclui em minha lista de leitura!
ResponderExcluirTe convido a conhecer o meu cantinho. http://www.blogalineneves.blospot.com