domingo, 26 de abril de 2009

Ex-novas-qualidades

Não sei porque as pessoas não falam abertamente sobre o casamento. Há uma discussão acerca do matrimônio, mas a real mesmo você só descobre passando pela experiência de casar.

É mais ou menos como a amamentação. As mulheres até dizem que dói um pouco e há toda aquela campanha de conscientização para futuras mamães sobre a importância do aleitamento. Eu via os comerciais com atrizes satisfeitas e seus bebês saudáveis e realmente não entedia porque alguém deixaria de amamentar um recém nascido, principalmente quando ele é seu. Opinião que eu sustentei até ter parte do meu mamilo digerido pelo meu bebê. Nenhuma atriz de TV contou no seu comercial que aqueles trapinhos de gente eram fortes o suficiente para sugar não só o leite, mas o seio também. Ninguém, absolutamente ninguém, explicou que amamentar envolvia mutilação corporal.

Com relação ao casamento a coisa é bem parecida. Todo mundo fala sobre a dificuldade da convivência,mas sempre de uma maneira bem sutil. As pessoas preferem ressaltar como é maravilhosa a vida de recém casado a divulgar suas brigas domésticas. Assim que meu marido e eu estabelecemos uma rotina em casa pude perceber que a tal dificuldade de convivência não era apenas um clichê usado por casais infelizes (onde eu e meu apaixonado marido obviamente não nos encaixávamos). Logo vi que o negócio era sério mesmo e muito mais grave do que tinha sido alertada.

Eu sempre tive orgulho da inteligência do meu marido... um intelectual jovem e bonito, com um futuro brilhante pela frente. Enchia a boca para dizer que ele era dono de uma mini biblioteca em casa. Foi casar e minha percepção mudou um pouco. Passei a achar um bocado doentia sua obsessão por livros sem graça e empoeirados que ele trazia diariamente para casa. Infelizmente, São Paulo é cheia de sebos, um prato cheio a cada esquina para meu maníaco intelectual. Comecei a me preocupar com o espaço... logo nós teríamos que nos desfazer dos móveis para abrigar todos aqueles livros rejeitados que ficam nas estantes a procura de um lar.

Que dizer do gosto musical? Era super interessante ele ser fã dos anos oitenta, até perceber que minha casa estava com um ar constante de elevador e sala de espera, com aquela música repleta de teclados e saxofones. Hello? Anos oitenta já era.

Eu sei que não é só ele que tem ex-qualidades. Eu também tenho as minhas.


Outro dia dei um salto quando meu marido urrou de ódio porque eu estava, pasmem, pisando no tapete! Claro, porque os tapetes foram feitos para tornar a casa mais divertida, você deve pulá-los como numa gincana. Ele explicou alguma coisa de germes e higiene... justo ele que tem teias de aranha atrás do computador.

Se algum homem estiver lendo este texto agora deve estar balançando a cabeça em afirmação e dizendo para si mesmo “Está vendo como são as mulheres?”. Eu sei o que dizem... todas nós nos apaixonamos por um Che Guevara revolucionário mas basta colocarmos o anel na mão esquerda e logo queremos que ele faça as barbas e vire um homem de verdade. Mas não pensem que isso é planejado. A gente realmente aprecia as características mais peculiares... inclusive nos apaixonamos por elas e elas simplesmente... simplesmente perdem a graça depois do casamento. Talvez seja uma manobra hormonal estrategicamente realizada pelo corpo. Talvez nossos hormônios são favoráveis as suas manias só para que nos casemos e nos acasalemos e as taxas desse hormônio caem após o casamento, uma vez que a união já está garantida. Vai saber...


O fato é que a tal primeira semana do casamento que dizem ser tão romântica foi um pandemônio. Simplesmente tudo no meu marido me irritava, e o interessante é que esse “tudo” era exatamente o mesmo “tudo” que eu mais amava no meu noivo. Era assustador como um detalhe tão pequeno como a escova de dentes de cabeça para baixo podia abafar um amor tão lindo e estragar um dia inteiro de bom humor.

E por um tempo eu achei que tivesse alguma coisa errada...que talvez nós não tínhamos sido feitos um para o outro.

Até que desabafei com uma amiga casada, apesar de não gostar da ideia de escancarar as minhas fragilidades conjugais. (E isso me fez entender um pouco deste complô entre as casadas de não avisarem para as noivas iludidas o que é o casamento). Para a minha surpresa, ela tinha passado exatamente pela mesma crise pós nupcial. Justo ela e o marido, que pareciam estar em lua de mel mesmo depois de um ano debaixo do mesmo teto, também tinham brigas constantes por causa da roupa jogada no chão e pelo fato dele dormir por cima do edredom. Ou seja, brigas fazem parte do cotidiano e nem por isso as pessoas deixam de se amar. (Engraçado... parece que alguém já havia me dito isso antes. Talvez eu que não tenha captado a mensagem direito).

Na terceira semana de casada meu marido teve que viajar a trabalho e eu achei uma delícia poder colocar ordem na casa à minha maneira. A primeira coisa que fiz assim que ele atravessou a porta foi recolher todas as pilhas de livros distribuídas pela casa e enxotá-las todas no seu armário. Enquanto ia de um lado para o outro fazia questão de pisar nos tapetes com meu tênis sujo de cidade e cantava um rap bem atual e anti-eighties.

Surprise, surprise. No dia seguinte acordei sentindo um vazio enorme sem aquela música de elevador. Arrastei-me até a sala e liguei o som. Quase cai dura com o volume alto que eu deixara do dia anterior e com a música bate estaca que tocava. Mudei a estação da Jovem-Pan para a ALPHA FM, onde tocava uma música do George Benson. “Bem melhor”, suspirei aliviada. Olhei para o apartamento ao meu redor e estava tudo irritantemente em seu lugar. Tive vontade de buscar os livros de dentro do armário e espalhá-los pela casa novamente. Sentei no sofá e fiquei olhando para o nada... sentindo a falta do meu marido me dando um beijo de bom dia com sua barba por fazer. Fui ao banheiro e enquanto esvaziava a bexiga estiquei a perna e encostei cautelosamente as pontas dos pés no tapetinho do banheiro e desejei profundamente que meu marido saísse aos berros de dentro do box dizendo que eu era uma porca.

Entendi uma série de clichês como “ninguém é perfeito”, “amo você do jeito que você é” e “não consigo viver sem você”.

Percebi que nossas brigas faziam tanta falta quanto seu cheiro, seus livros, suas músicas. Afinal, todos esses detalhes juntos resultam nele.

E eu o amo.




7 comentários:

  1. Esse me fez chorar! Que lindo, amiga!

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  2. Marina, virei fã do seu blog! Como escreve bem! Parabéns!

    Concordo com tudo que vc disse! O casamento nunca é exatamento como a gente pensa e a gente sempre tem que passar por um período de adaptação, mas depois que a gente acostuma com a nova vida e, no meu caso, com a nova "bagunça" e com as novas manias, é muito bom! ...rss.

    Bjinhss

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  3. Oh! Nem vem qeu eu tb tinha te falado como era hein? uhauhauha eh exatamente assim! Eu sinto falta até mesmo das brigas... Bjo! Prabéns! Você é um sucesso!!!!

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  4. Ain... q lindo! Eu já tava aqui pensando em desistir de casamento, pensando que isso é só um saco como a minha mãe diz, que homem é tudo ignorante e etc... Mas vc salvou o meu dia qndo disse q tudo isso faz parte e o amor não acaba por isso! rs

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  5. Marina, realmente vc escreve muito bem!
    a Isabela me comparou neste texto, e veio me gozar, adoro anos 80! mas tb identifiquei situações que acontecem com a gente aqui. coisas que eu faço e que ela faz. Como vc disse, existem certos clichês, e esses clichês funcionam para todos! parabéns

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  6. Ameiiii muito o texto, verdadeiro e muito bem escrito!

    o Amor faz fazermos coisas bem estranhas, e suportar coisas que jamais suportariamos se não existisse amor!

    Viva o amor!

    Beijocas!

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  7. "e desejei profundamente que meu marido saísse aos berros de dentro do box dizendo que eu era uma porca."

    Ri alto!!

    Fico me perguntando como seriam minhas primeiras semanas pós casamento. Será que sobreviveria??

    Bjs

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