sexta-feira, 24 de abril de 2009

A vergonha do amadurecer

Quantas poesias já li sobre a beleza do desabrochar do ser humano, sobre as valiosas metamorfoses da vida. De fato, amadurecer é um fenômeno maravilhoso… nos versos dos poetas. Na minha humilde jornada, amadurecer tem sido um tanto vergonhoso.


Amadurecer é exaustivo. Não porque requer uma certa dose de sofrimento. Não… essa é a parte legal. Difícil é lidar com o fato de que um dia você não sabia de certa coisa que, de uma hora para outra, passa a fazer sentido para você. Ter a consciência do não-amadurecimento anterior é terrivelmente vergonhoso.


É como quando estamos andando na rua e passa um grupo de adolescentes histéricas rindo numa altura que te faz desconfiar se elas não escondem mini-megafones no meio dos aparelhos dentários. Elas só não conseguem ser mais perturbadoras do que a infeliz certeza de que um dia você também já foi uma delas. Ah… que vergonha!


Outro dia fui à re-inauguração de uma livraria e estava lá, toda adulta com meus óculos de grau lendo uma orelha de livro aqui, uma contracapa acolá… quando comecei a sentir uma leve coceira na garganta. Pelo visto eles também haviam trocado o sistema de ar condicionado que sopravam com entusiasmo milhares de micro cubos de gelo invisíveis e cortantes por todo o salão. A coceirinha virou logo uma coceirona, e para me poupar de ter que dar uma tossidinha a cada um minuto, juntei todas as minhas forças e dei uma daquelas tosses profissionais, que vêm lá do dedão do pé e explodem pela boca afora fazendo estremecer cada célula do seu corpo. Que alívio… momentâneo. Mal pude aproveitar minha garganta limpa (agora, de fato, irritada) e já senti o peso dos milhares olhares acusadores de mães que enfiavam o nariz dos seus filhos nos panos de suas calças. Neste momento consegui enxergar, assim como aquelas mães enxergavam, todos os micróbios que eu deixei dançando no ar. Obviamente se minha filha estivesse ali eu mesma repudiaria um sujeito como eu mesma. Quanta vergonha!


E o amadurecimento não pára. Logo na minha primeira semana de casada eu estava lá, lavando a louça de cada dia, sentindo os efeitos colaterais da vida doméstica, todos fazendo uma reunião na minha região lombar. Sentei, ou melhor, desmontei no sofá e fiquei pensando que depois de ter ido à feira, lavado os legumes, fatiá-los, cozinhá-los e servi-los, seria no mínimo justo ficar livre da louça suja. Pronto. Neste mesmo momento eu amadureci. Em um segundo eu pude enxergar todas as toneladas de refeições que minha mãe já preparou para mim com tanto carinho e, ainda pior, enxerguei todas as outras toneladas de vezes que eu não lavei a louça para poupá-la ao menos do trabalho final. Eu, com toda a minha dondoquice, achava que cruzar os talheres e levar o prato até a pia já era mais do que se podia esperar de uma filha dedicada. Meu Deus! Que vergonha!


E quem nunca ouviu aquela clássica ameaça: “espere só até você ter seus próprios filhos”? Essa é tiro e queda. A criança mal sai do seu útero e já começa a acertar as contas. De repente a gente percebe, através da alegria acridoce da maternidade (quem tem filhos sabe do que estou falando – e aqui fica meu comentário de experiente para firmar minha superioridade sobre os não amadurecidos) de como fizemos nossas mães sofrerem. E não, isso não é legal. O gosto que dá na boca ao pensar em todos os perigos do mundo e lembrar de todas as vezes que desligamos o celular para nossas mães não nos acharem não é apenas esclarecedor. É vergonhoso.


Perceber o próprio amadurecimento não é, nem de longe, a sensação de abrir lindas asas coloridas e metamorfomizadas depois de anos num casulo. No caso dessa metáfora, eu cataria o casulo do chão e enfiaria na cabeça. Ou mudando de animal, dá vontade de colocar o rabo entre as pernas, ligar pra mãe e dizer que agora que você é um adulto amadurecido você se arrepende de ter ficado tão doente quando era bebê, de ter mentido sobre o banho não tomado, de ter bebido demais, de ter se apaixonado pelo pior sujeito do colégio (daqueles que usam gorro mesmo no calor de 40 graus), e, oh céus, de não ter sequer lavado as louças do almoço de domingo (desculpa mãe!).


Enquanto estou aqui escrevendo o tempo vai passando e com certeza acordarei amanhã irritadamente mais amadurecida que hoje. Já não consigo olhar as pessoas nos olhos… talvez seja por isso que os velhinhos acabam ficando corcundas.





4 comentários:

  1. Priiiiiiima =D
    Mamys me contou que você tava com um blog e vim aqui correndo ver... li tudo aqui. E sabe, fiquei orgulhosa de você, de verdade. De fora a gente nem imagina como foi difícil pra você passar por isso tudo... mas enfim, a vida é isso ai mesmo.
    Aliás, enquanto fiquei aqui lendo seus textos, fui voltando no tempo e lembrando da nossa época feliz de fãs de Hanson e tal. É assustador como o tempo passa rápido, e como essa vida dá voltas. É muito maluco. Mas feliz.
    Saudades de você, sempre!
    Beijo pra você, maridão (ainda não me acostumei com a ideia de que você está casada aha) e filhota linda.

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  2. Ai amiga... Esse seu texto me lembrou TANTO uma parte do Comer, Rezar, Amar. Quando ela conta que sua primeira crise existencial aconteceu aos 6 anos de idade, lembra??? Eu AMO aquela parte! No caso do seu texto, a diferença é que vc não sentiu junto com a crise do amadurecimento a proximidade da morte (ainda bem, né? Já pensamos demais nisso em relação aos nossos avós e tios velhos!). Concordo em tudo com vc! Amadurecer é terrivelmente vergonhoso. Temos vergonha até de pensamentos que tivemos há... 5 minutos!
    Amei o texto! E se existe vergonha por tanta coisa, orgulhe-se de tantas outras. Vc é uma pessoa cada dia melhor. Uma mãe comprometida, uma esposa dedicada e uma escritora cada dia mais encantadora! AMo ler-te!!!
    Beijoooos

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  3. Oi Marina

    Li seu blog todo, tenha certeza que você deu muito mais alegria e felicidade para sua mãe, do que trabalho e cansaço.
    Um beijo para você e para a princesa Master.
    Dora

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  4. Ô Nina... fala assim que eu realmente morro de vergonha! rs
    Apesar de já ter minha filhota e entender um bocado do que eu fiz pra minha mãe, ainda assim falho MUITO como filha dedicada...
    Mas a gente amadurece. E eu ainda to nessa fase vergonhosa de amadurecer! Ui!

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