Não me considero uma pessoa politizada. Admito acompanhar apenas superficialmente o que acontece no cenário político nacional e raramente expresso minha opinião sobre o assunto, apesar de cumprir com minhas obrigações eleitorais de maneira – espero - consciente. Talvez por ser casada com um cientista político, aprendi o quanto é fácil cair na armadilha das generalizações partidárias, do julgamento sem fundamentação real, das manipulações midiáticas. Acabei assumindo uma postura um tanto contemplativa: prefiro digerir as informações sobre o que acontece no palácio do planalto no aconchego de mim mesma. Até porque não gosto de polêmicas.
Mas hoje resolvi dar meu grito, embora minhas críticas não sejam exclusivamente aos políticos.
Eis que ontem escuto um grupo de mães – classe média alta paulistana – conversando sobre táticas de como furar filas na Disney. As estratégias faziam valer dos excelentes recursos que os parques criaram para atender visitantes com necessidades especiais (deficientes, pessoas com problemas de saúde, ou acompanhados de bebês e idosos, por exemplo). Uma delas ainda sugeriu que, caso algum funcionário do parque pedisse comprovação das limitações alegadas, bastava engrossar a voz. Segundo ela, americanos morrem de medo de processos e preferem sempre evitar conflitos com os clientes. Fiquei imaginando, cá com meus botões, o orgulho das crianças ao olharem com admiração para aquelas mães super espertas, capazes de economizar horas e horas de filas pelo bem da diversão familiar...
O episódio me fez lembrar a polêmica Rosely Sayão que apontou, em certa palestra sobre “filhos e internet” a questão da censura no Facebook. A maioria da plateia mostrou-se surpresa ao saber que a rede social é vetada para menores de 13 anos, até porque grande parte daqueles pais tinha filhos de idades inferiores conectados ao “fêice”. O debate seguiu caloroso sobre os riscos da internet e a mudança de comportamento que a exposição virtual vem causando nos jovens, sobretudo na questão da falha no julgamento do que deve ser público ou privado. Alguns pais, muito incomodados com o dedo no nariz que a psicóloga apontou naquela noite, defenderam sua postura permissiva alegando acompanhar os passos dos filhos na internet (ãham). Então Rosely tocou numa questão crucial, que à primeira vista parecia ser acessória: quando permitimos que nossos filhos mintam o ano de nascimento para fazer um cadastro no Facebook estamos dizendo: aqui existe essa regra, mas não há nada demais em ignorá-la.
E os exemplos são muitos. A faixa de pedestre está lá na frente e a gente só quer ir ali, no banco que fica no meio do quarteirão. Não tem problema atravessar. O restaurante está distribuindo uma bexiga por cliente, mas tem um monte sobrando e ninguém está tomando conta. Pega duas. Pega três. Criança até cinco anos não paga. Você tem seis, mas ninguém vai perceber, passa logo por debaixo da catraca. Esse filme não é pra sua idade, mas que bobagem, isso é filme de criança sim. Vamos pedir um refrigerante só. Aqui tem refil e você toma comigo. Não pode beber, mas tenho um amigo que faz uma identidade falsa perfeita. Bebi, mas foi só um pouco, não tem problema dirigir. Se tiver blitz eu posso me negar a soprar o bafômetro. Putz, atropelei alguém. Arranquei um braço, mas ninguém viu, joga ali no rio. Isso é proibido, mas é bom, fuma aí. Cheira aí. Ô autoridade, toma aqui uma grana para a cervejinha. Livra a minha barra, parceria? A merenda custa 100 reais, mas ninguém confere, coloca aí que ela custa 300. O dinheiro é público, mas tem tanto, ninguém vai notar se eu colocar um bocado aqui na minha conta.
Quem já comprou meia entrada sem ter carteira de estudante certamente ficará ofendido ao ser incluído na laia dos políticos corruptos. Acontece que a falha, nos dois casos, é exatamente a mesma: falta de honestidade. Não é honesto quem deixa de devolver o troco que veio a mais da mesmíssima forma que não é honesto quem superfatura uma obra pública.
Enfrentar uma fila não faz de você uma pessoa otária, mas sim honesta! E ser honesto é uma coisa boa, acreditem. Até porque um dia você poderá estar naquela mesma fila, com um bebê pesado no colo ou setenta anos nas costas e precisará – de verdade – do atendimento preferencial. Não importa que ninguém esteja vendo em que fila você vai entrar, não interessa se não há controle, se não há câmeras registrando seu ato falho. O que importa é que você estará fazendo a coisa certa e que seu filho, acompanhando todos os seus movimentos com um brilho nos olhos, poderá, um dia, ser o presidente do Brasil que a gente tanto quer.
*Texto originalmente publicado no Minha Mãe que Disse, em outubro de 2013.
Muito bom! Concordo absolutamente. Estou em Lisboa e aqui há um transporte público elétrico que não tem roleta nem cobrador. Você entra e passa o cartãozinho numa máquina que fica lá dentro, ou paga (mais caro, se não tiver o cartão) numa 'caixa' que fica lá dentro também. Outro dia estava lá e entrou uma família brasileira inteira. Enrolaram, enrolaram. Nada de pagar. A moça, de uns 25 anos, falava na maior altura que se pagassem uma passagem já valeria por todos. Falou que não precisavam preocupar com isso e desceram onde queriam: sem pagar e anunciando aos 4 ventos o feito. Senti a vergonha alheia maior do mundo e o peso de ter uma nacionalidade manchada. Triste.
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=NndubiXLoaU
ResponderExcluirExcelente! Obrigada por compartilhar!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAdorei! Disse TUDO!
ResponderExcluirDesde ontem estou devorando seus posts... Parabéns! Você escreve muito bem!
É deprimente ver a falta de caráter de certas pessoas de "berço". Mas ao menos perceber o absurdo desse tipo de coisa é que nos torna capazes de criar os adultos que o país precisa
ResponderExcluir