quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Matryoshka

Tudo era bem fácil quando eu só precisava ser filha. Eu e minha mãe nos dávamos muito bem e éramos grandes companheiras. Mais que isso, éramos melhores amigas e inseparáveis. Mas aí veio o primeiro namorado que tirou sabe-se lá de onde um eu-namoradeiro, rebelde e sem juízo que vivia em pé de guerra com a filha que eu adorava ser. Enquanto uma queria ir para as baladas a outra queria ficar bem aconchegada no ninho materno. E se duas de mim já me deixavam louca, imagina quando as outras vieram?

Na mesa de cirurgia a obstetra tirou um bebê e uma mãe de dentro de mim. Essa tal mãe simpatizava com aquela antiga filha, mas era um pouco displicente com a namoradeira. Pra ser bem sincera, essa mãe era um bocado egoísta: não gostava que eu desse atenção para as outras partes de mim. E durante a licença maternidade eu e a nova mãe que passei a ser nos demos muito bem. Mas com o tempo eu tive que reatar a amizade com a namoradeira e a filha. E te digo que não foi nem um pouco fácil. A mãe sofreu demais, coitada. Mas a vida continuava e não dava mais para ser só uma.

Corajoso foi o marido, que ainda conseguiu pintar uma esposa no meio dessa turma toda. E com a esposa ainda apareceu a dona de casa, rainha do lar, que nas horas vagas é professora.

Tantas pessoas dentro de mim acabam me deixando um tanto confusa. Às vezes eu me troco: sou filha quando devia ser esposa, sou mãe quando devia ser professora... é uma bagunça danada. Quantas vezes não me peguei na frente de quarenta alunos, com outros olhos, vendo-me com estranheza? Quem era aquela ali?

No tira e põe de tantas máscaras é fácil ir me esquecendo. É claro que todas essas mulheres também são autênticas e são parte de mim. Mas há um eu que só eu mesma conheço, aquela última boneca matryoshka, aquele miolo íntimo que sustenta todas as outras faces de mim mesma. E é preciso muito jogo de cintura para não se perder para sempre.


10 comentários:

  1. E dá medo, não dá?
    De se encarar de repente e não encontrar o miolo, ver que a gente se perdeu quando se encontrou como mãe, como esposa, como amiga.
    De vez em quando dou uma espiada, só pra ter certeza que não fugi. rs
    Bju gde =*

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  2. Nina, perfeito! E eu pensei em escrever sobre isso hoje...e a imagem que me veio à mente para representar o que você disse foi daquele multi-homem, sabe? Sua matrioshka é mais poética, mas a sensação é a mesma. Bom saber que não estou só. beijos!

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  3. Me identifiquei muito com o que vc escreveu...eh isso ai!

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  4. Olá Marina...
    sou aluna do seu marido na Rio Branco. Esses dias estava comentando com ele que fuçando no orkut vi um recado seu pra ele e acabei indo fuçar na sua página, aí vi o link pro blog e passei grande parte do sábado lendo seus posts. Olha que é muito difícil me prender a uma leitura viu, mas eu não conseguia parar de ler.
    Bom passei aqui só pra dizer que você escreve muito bem e é uma leitura muito gostosa, me diverti mtu com mtas das coisas que vc escreveu!
    Se um dia escrever um livro me avisa, já estou na fila, haha!
    Beijus e boa sorte com tudo! Se precisar de qualquer coisa aqui em sampa é só falar!

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  5. Best post ever!
    Adorei.
    Mais de 10 mil acessos, hein?
    Lindo demais!
    bjo

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  6. Adorei o post!
    Com certeza me identifiquei.
    Bj

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  7. Disse tudo flor... adorei!! Me indentifiquei muito...

    Beijos

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  8. Perfeito texto Nina! É assim mesmo que as coisas funcionam, é incrível como tbm nascemos no parto de nossos filhos. Vc fez uma bela mistura... eu gosto de ser tudo isso. A gente nao se perde nao... se acrescenta :)

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  9. Nina,adoro o seus posts, eles são excelentes, e conseguem transmitir tãoo bem essa mistura de mãe/mulher/esposa/filha! Hoje descobri que conheço seu marido da época dos modelos da ONU, curioso, não? Muita coincidência! bjss

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  10. Nina, cheguei aqui há pouco e estou lendo post por post, que delícia. Esse me obrigou a me apresentar e fazer um comentário. Sou mãe da Lorena, de 1 ano, mulher, filha, amiga, irmã e jornalista nas horas vagas. Adorei seus textos. Parabéns.

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